
O Analfabetismo digital do TSE, com o travamento do E-Título, é mais ou menos como a catarse que levou “Caneta azul, azul caneta”, de Manoel Gomes (foto), ao olimpo de hit brasileiro. Caneta que, aliás, voltou à moda
É curioso se a gente observar as curiosidades. O aplicativo E-Título, que permite baixar Título Eleitoral no smartphone e até justificar ausência na votação, bateu recordes de downloads. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) emitiu nota afirmando, em justificativa para o “travamento”, que “um número maior que o esperado baixou o aplicativo”. E, nos locais de votação, quem não levou a tal “caneta azul“, talvez sob inspiração do hit musical homônimo, foi tratado quase como alienígena.
Sinais dos tempos. Mas a culpa é de quem? De ninguém. Como dizia Nelson Rodrigues, “subdesenvolvimento é obra coletiva”.
Este portal, que está “um pouco” longe dos atuais 147,9 milhões de eleitores brasileiros, entre os que o acessam, toma precauções. Pagamos por servidor “elástico”, isto é, hospedagem em empresa que fornece banda, gigabytes e terabyts, capaz de enfrentar ataque em massa sem cair. Se hackers promoverem 1 milhão de acessos ao portal, repentinos, o servidor “nem tchum”. Sequer gera custo extra. Avisa nossa retaguarda técnica e aguarda 24 horas antes de transformar o volume em cobrança. Isso é recorrente e rotineiro.
O TSE deveria estar preparado para algo próximo dos 150 milhões de acessos. Isso requer retaguarda técnica com recursos para comprar espaço nos servidores disponíveis. Não adianta contratar pessoal de alto nível, se eles não tiverem condições para fazer o que é preciso.
O resultado, na prática, é o que se viu neste domingo (15/11): o E-Título travou e ninguém conseguiu acessá-lo. Quem não está acostumado às idiossincrasias virtuais cotidianas, não dispensou o app nem entrou direto pelo browse (safari, chrome etc.) e acabou tendo que revirar a casa em busca do título físico para saber onde votar. Muitos bateram com a cara em sessões onde não votam mais.
Para completar, a propaganda da Justiça Eleitoral insistiu na tecla de que “sintomas da Covid-19”, como simples coriza, valiam como justificativa. E que a justificativa pode ser feita meses após o pleito.
Isso se chama “analfabetismo digital”. Com grande prejuízo para a democracia brasileira. E a enorme torcida deste portal para que não se reflita numa abstenção histórica.
Caneta azul
Episódio curioso é o que se refere à “caneta azul”. As normas de prevenção à pandemia incluíram a recomendação de que o eleitor levasse uma caneta para votar. A explicação, bem direta, é que isso evitaria o contato com objeto manuseado por vários, o que diminuíria a possibilidade de contágio com coronavírus.
O dado sórdido é que a recomendação foi que o eleitor levasse uma “caneta azul”. O barnabé responsável pela redação da norma ouviu demais o homônimo maior hit pré-pandemia “Caneta azul”, do simplório Manoel Gomes.
Um eleitor, próximo ao site, chegou ao local de votação sem caneta. Azul ou amarela. E foi tratado como alienígena. Quase os mesários o colocam numa bolha. Faltou pouco para ser intubado. Para completar, irreverente e bem humorado, ele partiu direto do ponto de assinatura para a urna eletrônica. “Não poooodeee!”, gritou um mesário, “tem que primeiro limpar a mão com álcool gel”. Detalhe é que o eleitor havia encharcado a mão do produto na entrada, constrangido pelo guarda.
Síntese: entre analfabetismo digital e caneta azul, o pleito de 2020 é sui generis.
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