Pleno suspende artigos de lei municipal que disciplinam ideologia de gĂȘnero em escolas de Manaus

Foto: Divulgação

O Pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) decidiu deferir medida cautelar e suspendeu, atĂ© o julgamento da ação, a vigĂȘncia dos artigos 1Âș e 2Âș da Lei Municipal nÂș 439/2017, que vedam a inserção de atividades e orientação com carĂĄter polĂ­tico-pedagĂłgico, na grade curricular das escolas do MunicĂ­pio de Manaus, que reproduzam o conceito da ideologia de gĂȘnero, onde dois sexos – masculino e feminino -, sĂŁo considerados “construçÔes culturais e sociais”.

A decisĂŁo dos desembargadores na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nÂș 4004735-30.2017.8.04.0000 foi discutida na sessĂŁo do Tribunal Pleno realizada, excepcionalmente, na manhĂŁ desta quarta-feira (16), na sede da Corte amazonense em Manaus. A votação foi por unanimidade, acompanhando o voto da relatora, desembargadora Carla Reis.

De acordo com os autos da Medida Cautelar em ADIn, ajuizada pelo MinistĂ©rio PĂșblico Estadual, o art. 1Âș da Lei nÂș 439/2017 proĂ­be a orientação polĂ­tica pedagĂłgica, na grade curricular das escolas municipais da capital, “aplicada Ă  implantação e ao desenvolvimento de atividades que visem Ă  reprodução do conceito de ideologia de gĂȘnero” e o art. 2Âș aponta “como ideologia de gĂȘnero, a ideologia segundo a qual os dois sexos, masculino e feminino, sĂŁo considerados construçÔes culturais e sociais”.

Para o MinistĂ©rio PĂșblico, os dois artigos contrariam a Constituição Estadual, violando princĂ­pios bĂĄsicos da educação e do sistema educacional do Amazonas. “(
) Entre as diretrizes educacionais agasalhadas pela Constituição do Estado do Amazonas de 1989, figuram os princĂ­pios da democracia, da liberdade de expressĂŁo e do respeito aos direitos humanos (art. 198, caput), bem como o fomento Ă  ‘elaboração e reflexĂŁo crĂ­tica da realidade’ e ao ‘exercĂ­cio da cidadania’, com vistas ‘ao pleno desenvolvimento da pessoa’ (art. 198, parĂĄgrafo Ășnico, c/c art. 205, caput, da CF/88)”.

O ÓrgĂŁo Ministerial tambĂ©m ressalta que os dois dispositivos da lei afrontam e tornam vulnerĂĄveis, de modo mais amplo, os princĂ­pios da dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição Federal (art. 1Âș, III), e do estado democrĂĄtico de direito (art. 1Âș, caput, CF), alĂ©m de impedir, no ambiente escolar, a diversidade de valores, crenças e opiniĂ”es e ainda o pluralismo na liberdade de manifestaçÔes. “A proibição legal ao debate, Ă  divulgação e ao estudo de temas relacionados ao gĂȘnero e Ă  sexualidade, no Ăąmbito das escolas municipais, toma, por exemplo, professores e estudantes de ensino mĂ©dio passĂ­veis de sançÔes disciplinares e outros constrangimentos indevidos, caso suscitem questĂ”es pertinentes a essa temĂĄtica”, conforme trecho do relatĂłrio.

A CĂąmara Municipal de Manaus defendeu o indeferimento da medida liminar. JĂĄ a Procuradoria-Geral do MunicĂ­pio requereu o reconhecimento da existĂȘncia de vĂ­cio formal dos dispositivos. E a Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se pela nĂŁo oposição ao deferimento da medida liminar.

Ao analisar os autos, a relatora, desembargadora Carla Reis, verificou que Lei Municipal nÂș 439/2017, ao instituir, no sistema municipal de educação, a vedação de uso de material didĂĄtico, dentre outras açÔes, com referĂȘncia Ă  diversidade sexual e Ă  ideologia de gĂȘnero, “invadiu competĂȘncia privativa da UniĂŁo”. “A lei questionada incluiu vedação Ă  adoção do que denomina ‘ideologia de gĂȘnero’ e acabou por estabelecer diretriz legal que invade a competĂȘncia do Poder Executivo de definir, sob as Ă©gides dos planos nacional e estadual de Educação, o conteĂșdo programĂĄtico a ser ministrado em sala de aula para alunos que vĂŁo desde as crianças atĂ© os jovens e adultos atendidos na rede de ensino. A inserção em anĂĄlise abarca uma forma de censura, posto que previamente proĂ­be qualquer discussĂŁo nĂŁo sĂł em relação ao tema que fora incluĂ­do de forma ampla e genĂ©rica, mas tambĂ©m, ao material didĂĄtico adotado pelas escolas municipais. Isto, sobremaneira, foge a alçada do Poder Legislativo”, ponderou em seu voto.

A relatora disse ainda que a escola, por ser um ambiente de ensino e responsĂĄvel tambĂ©m pela formação Ă©tica e cultural do indivĂ­duo, deve manter abertamente o diĂĄlogo e a informação com os pais, com seus alunos e com a prĂłpria sociedade civil, todos num Ășnico objetivo: de promover o bem geral, atravĂ©s de uma educação inclusiva e participativa. E que o sistema estadual de Educação deve observar os princĂ­pios e garantias previstos na Constituição do Estado do Amazonas, dentre eles: a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepçÔes pedagĂłgicas; e a preservação de valores educacionais, regionais e locais.

A desembargadora Carla Reis ponderou tambĂ©m que o ato legislativo infringe o princĂ­pio da proteção integral de todas as crianças e adolescentes. “As pessoas especialmente vulnerĂĄveis que podem desenvolver identidades de gĂȘnero e orientação sexual divergentes do padrĂŁo culturalmente naturalizado, devem receber tutela estatal, inclusive de cunho jurisdicional, para salvaguardĂĄ-las de toda forma de discriminação e opressĂŁo, em prestĂ­gio ao regime constitucional especialmente protetivo (Constituição do Estado do Amazonas, §4Âș, do art. 242)”, observou a relatora em seu voto.

Ao concluir a anĂĄlise, a magistrada salientou que os artigos 1Âș e 2Âș da Lei Municipal nÂș 439/2017 “violam, ao menos em sede de cognição sumĂĄria e precĂĄria, todos os princĂ­pios e normas constitucionais supramencionadas, padecendo, ao menos em uma anĂĄlise precĂĄria, de vĂ­cios formal e material”. “O periculum in mora, por seu turno, Ă© indiscutĂ­vel, uma vez que a norma compromete o acesso imediato de crianças, adolescentes e jovens a conteĂșdos relevantes, pertinentes Ă  sua vida Ă­ntima e social, em desrespeito Ă  doutrina da proteção integra. Neste quesito, ainda que o ano letivo jĂĄ esteja em curso, o deferimento da cautelar Ă© medida que se impĂ”e a fim de que sejam minorados os efeitos dos dispositivos questionados sobre o plano pedagĂłgico adotado no MunicĂ­pio de Manaus”, acrescentou a relatora.

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