Justiça mantém nula licença do Ibama para obra do linhão entre Manaus e Boa Vista

Foto: Divulgação Eletrobras

O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas conseguiu na Justiça a anulação da licença prévia expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para as obras da linha de transmissão de energia elétrica entre Manaus e Boa Vista, o Linhão de Tucuruí. A sentença confirmou a decisão liminar obtida anteriormente, que manteve suspensa a licença para as obras desde fevereiro de 2016.

Na sentença, a Justiça Federal determinou ainda a realização de consulta prévia ao povo indígena Waimiri Atroari, nos moldes da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), já que o projeto prevê a instalação de centenas de torres dentro da terra indígena. Há também determinação para envio de cópia integral do processo à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), “tendo em vista os patentes indícios de violação de direitos humanos – mais especificamente de direitos titularizados pelos indígenas brasileiros do povo Waimiri Atroari – violação esta que seria decorrente de possível ação de agentes do Estado brasileiro, com vulneração de tratados e compromissos internacionais assumidos junto à ONU e à OEA”.

Ao confirmar a decisão liminar, a Justiça Federal ressaltou novamente a obrigatoriedade de consulta prévia aos povos interessados em quaisquer empreendimentos planejados pelos governos, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, e que a comunidade indígena Waimiri Atroari deveria ter sido consultada há muito tempo, uma vez que sofrerá reflexos diretos da implantação da linha de transmissão.

Em sua manifestação à Justiça, o Ibama alegou ter realizado quatro consultas públicas abertas às comunidades afetadas pela implantação do Linhão, em junho de 2014, em cidades do Amazonas e de Roraima. Ao concordar com os argumentos do MPF na ação, a Justiça considerou na sentença que tais audiências não desobrigam o governo de realizar consulta prévia na forma da Convenção nº 169/OIT aos Waimiri Atroari, já que há previsão legal específica nesse sentido.

O processo tramita na 3ª Vara Federal no Amazonas, sob o número 18032-66.2015.4.01.3200. Cabe recurso da sentença. O órgão destaca que o processo em questão se refere à mesma obra, mas não está vinculado a outra ação ajuizada em 2013, contra a Eletrobras e outros, na qual se pediu a anulação do edital de licitação do trecho da linha de transmissão. Nesta ação que recebeu sentença da Justiça, os alvos são a licença prévia que naquela época sequer havia sido concedida e a exigência de consulta prévia ao povo indígena afetado.

Ressalvas sem exigências – Segundo a ação do MPF, em documento enviado ao Ibama em novembro do ano passado, a presidência da Funai alerta para os graves danos que estão sendo e serão causados ao povo Waimiri Atroari, considerando a situação de vulnerabilidade histórica e de recente contato dos indígenas, e menciona a necessidade de haver consenso entre os moradores, sem exigir, no entanto, a realização de consulta prévia, livre e informada, conforme disposto na convenção internacional. Ao final, a Funai apresenta mera aceitação das escolhas indicadas pelo Ibama e pela empresa responsável pela obra, sem mencionar a exigência de consulta prévia.

Logo após conhecerem o teor do documento, as lideranças do povo Waimiri Atroari encaminharam ofício à presidência do Ibama desautorizando a Funai a falar em seu nome em relação à obra e ressaltando que a comunidade “ainda não decidiu pela concordância da instalação de 250 torres de sustentação de 125 quilômetros de linha de transmissão em suas terras” e afirmando, em caixa alta: “nós não falamos para o presidente da Funai para ele autorizar o Ibama a emitir licença”.

Para o MPF, não se pode admitir novo processo de violação de direitos contra uma etnia cuja história é marcada por inúmeros erros administrativos como estratégias de “pacificação violenta”, processo de demarcação repleto de ilegalidades, construção de uma rodovia e exploração de minérios em suas terras, inundação de territórios sagrados e muitas memórias daquele povo por conta da criação da hidrelétrica de Balbina. “É essencial que se faça consulta ao povo Waimiri Atroari, sob pena de que estes venham a ser vítimas, mais uma vez em sua história, de outro episódio irresponsável de manobras e falhas administrativas”, destaca trecho da ação inicial.

Em outra ação ajuizada em agosto deste ano, o órgão levou à Justiça um episódio emblemático entre os diversos casos de violações praticadas contra os povos indígenas durante a ditadura militar no Brasil: o massacre dos Waimiri Atroari na abertura da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista). Entre outras medidas, o MPF requer a reparação dos danos causados por meio de indenização, pedido de desculpas oficial do Estado brasileiro, retificação da área da reserva para incluir o trecho referente à rodovia como parte da terra indígena e proibição de medidas de militarização da política indigenista no território. A ação aguarda decisão da Justiça.

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