O ‘mago’ do turismo em Novo Airão (AM), que revela ao mundo os parques nacionais de Anavilhanas e Jaú, só com recursos próprios

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Unidos a sócios, o empresário paulista Ruy Tone tornou-se o principal investidor no turismo de Novo Airão apenas com recursos privados. Fotos: Marcos Santos, Tereza Cidade e Ruy Tone

Um hotel premiado, com destaque na revista AU, especializada em Arquitetura e Urbanismo, distribuída a engenheiros e arquitetos espalhados por todo o Brasil, dois barcos desbravando paraísos e três restaurantes que estão mexendo com a gastronomia regional. Tudo isso coroado nas páginas da revista de bordo e em filme com três minutos de duração nos voos da TAM. São Paulo? Rio de Janeiro? Chile? Argentina? EUA? Europa? Nem Manaus. Trata-se de complexo turístico montado em Novo Airão (AM), cidade a cerca de duas horas de viagem da capital, via fluvial, ou duas horas e meia nos 184 quilômetros das rodovias AM-070 (Manaus-Manacapuru) e AM-352 (Manacapuru-Novo Airão).

Dinheiro público? Nenhum centavo. É investimento privado, a partir do empresário paulista Ruy Carlos Tone, 49, proprietário da agência de turismo paulistana Mundus Travel.

Foi a partir da expertise da Mundus que Ruy Tone decidiu investir nesse destino ermo e belo, com território maior que a Suíça e reunindo dois parques nacionais gigantescos, de Anavilhanas e suas mais de 400 ilhas e o do Jaú. Ele visitou Novo Airão como turista e passou a se desdobrar, muitas vezes fazendo em dois dias as quatro horas em cada perna de voo da ponte-aérea Manaus-São Paulo, trabalhando entre 2004 e 2014, quando ficou pronto o hotel Mirante do Gavião.

É obrigatório, hoje, para quem vai a Novo Airão, passar no flutuante Flor do Luar, saborear um cubo de tapioca ou um tambaqui no alecrim e dar um mergulho no rio Negro, encarando frente a frente as ilhas de Anavilhanas. A chef Débora Kosnik, que Ruy Tone trouxe de São Paulo, empresta um toque sofisticado no cardápio do Camu-Camu, no Mirante do Gavião, e mergulha na alta gastronomia no Caxiri, a vertente manauara dos negócio do empresário. O hotel Boutique Casa Teatro, parceria com Cláudia Mendonça, da agência de viagens Paradise, completa a presença do grupo na capital. Caxiri e Casa Teatro estão localizados na rua 10 de Julho, no Centro.

Ruy Tone, a caminho de um mergulho no Flor do Luar, parou para conversar com o portal sobre esses negócios. Conheça mais, na entrevista a seguir:

 

www.portaldomarcossantos.com – O que faz a Mundus Travel, a sua empresa em São Paulo?

Ruy Carlos Tone – A gente tem como destinos os países africanos e asiáticos. No decorrer dos anos, viajando por esses países, descobrimos muita coisa bacana, não só de destinos mas de empresas que praticavam um turismo diferente, integrando lugares com gente, com acomodações bacanas, arrojadas na arquitetura, comida boa, integração com as comunidades. Tem um, se você quiser procurar, que se chama Mandawa. É um projeto em Moçambique que foi feito por um casal que trabalhava para a ONU. Tinham a função de reacomodar gente que tinha fugido da Guerra Civil de Moçambique e, depois de 20 anos, estava retornando ali no lago Malawi, e precisaram gerar alguma atividade econômica. Resolveram montar uma pousada de cinco quartos. Isso criou uma linha verticalizada de 100 pessoas trabalhando em função desse hotel. É lógico que não está todo mundo integrado no hotel, mas a toda rede de produção de produtos do hotel. Por exemplo, tinha mulher que costurava uniformes, lençóis, travesseiros, cortinas. Então tinha as costureiras que trabalhavam para o hotel.

 

pms.am – Um conjunto harmônico, na linha da economia solidária, contribuindo para melhorar a sociedade local…

Ruy Tone – E ali foi uma tremenda lição pra mim, de você entender que um pequeno empreendimento, teoricamente, de cinco quartos, preço alto, US$ 1 mil a diária, num lugar que não tem internet, telefone, luz, não tem nada, mas é US$ 1 mil a diária. E quando você paga você entende, quando você chega lá, que esses US$ 1 mil você pode achar caro, mas quando você vê todo o regime de integração e o que eles são obrigados a manter, você entende que a cortina é mais cara que o normal, que o uniforme é mais caro porque é tudo produzido lá. E faz parte dessa textura social você contribuir pra que aquele projeto se mantivesse vivo. Os passeios também eram integrativos. Você visitava as escolas, a produção de orgânicos, você podia acompanhar o pessoal pescando… Então tudo aquilo ia, de alguma forma, contribuir para a manutenção do hotel e remunerado pela rede de pessoas que estavam visitando o hotel. Com isso você conseguia montar essas 10 comunidades, essas 100 famílias viverem de um pequeno complexo hoteleiro. Um lugar bonito, na beira de um lago lindo, maravilhoso, ou seja, é o que você tem aqui. Aí, quando você chega num lugar como esse se pergunta: “E aí? O Brasil não tem um lugar desses?” É mais ou menos isso.

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O Mirante do Gavião, com arquitetura arrojada, foi inspirado nos pequenos hotéis que sustentam comunidades na África e na Ásia

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Uma suíte do hotel tem no centro a árvore da castanha-do-Brasil

pms.am – A partir dessa inspiração você e seus sócios, sobre os quais falaremos depois, montaram a estrutura da Katerre em Novo Airão. Qual é essa estrutura?

Ruy Tone – Na verdade isso foi feito justamente dentro desse modelo que eu te expliquei. Você precisa montar um tecido que acaba suprindo, dentro do contexto do que o turista, o viajante, quer ver, essas necessidades que incluem acomodação bacana, comida regional, mas integrada e de bom nível, condições para os passeios locais, com os barcos… Toda essa infraestrutura está montada para atender às pessoas que desejam conhecer com profundidade a região e estão dispostas a pagar por essa estrutura.

 

pms.am – O investimento que vocês fizeram já está dando lucro? Já se remunera?

Ruy Tone – Alguns deles já estão na linha de remuneração positiva, outros ainda têm dificuldade maior. Mas, desde o começo, eu sabia que era mais fácil manter o dinheiro num banco em São Paulo ou comprar qualquer coisa lá de negócio do que aqui. Eu sou de São Paulo e sei que qualquer investimento lá seria mais fácil que aqui. Aqui foi uma escolha pensada de um desafio de vida. Não é nem um desafio momentâneo. Então eu sabia que seria longo prazo e que só o dinheiro não daria certo e precisaria da dedicação de fazer essa coisa acontecer. Esse negócio de ir num dia para São Paulo e voltar no outro para Manaus é sintomático porque eu precisava manter meus negócios em São Paulo, onde eu gero caixa, para manter os investimentos aqui. Porque, além de tudo, é zero de financiamento.

 

pms.am – Nada de recursos públicos? Só dinheiro privado?

Ruy Tone – É uma coisa que eu aprendi. Se é pra fazer acontecer é muito mais barato o capital próprio. Segundo, eu aprendi que não tem linha de recurso nenhum pra trabalhar num lugar desses. A gente deixou o hotel pronto e fui na Afeam (Agência de Fomento do Estado do Amazonas), perguntar se dando de garantia o hotel dava pra financiar mais um ou dois quartos e eles disseram: “Pra Novo Airão não tem linha de crédito”. Pode ser o empreendimento que for, não tem linha de crédito. E eu falei: “Só por curiosidade eu perguntei”.

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A suíte aquariquara, inspirada na madeira usada para postes de iluminação pública no Amazonas, é exemplo de conforto do hóspede do mirante

pms.am – O hotel Mirante do Gavião é uma obra que salta aos olhos, do ponto de vista da concepção arquitetônica. Como foi a construção, a concepção, essa coisa de trazer arquitetos espanhóis…

Ruy Tone – Não, os arquitetos todos são brasileiros, paulistanos.

 

pms.am – Mas o que todos dizem aqui em Novo Airão é que eram espanhóis…

Ruy Tone ­– A arquiteta é Patricia O’Reilly (Atelier O’Reilly Architecture & Partners Sustainable Strategies), a paisagista é Clarissa Caires Lima, que é minha mulher, que também fez a decoração interna, a estrutura de madeira é Callia Madeiras, projetista de São Paulo, e o engenheiro fui eu.

 

pms.am – Qual o resultado que vocês têm colhido no Mirante do Gavião? Muitos turistas estrangeiros e nada nacional?

Ruy Tone – Essa empresa de São Paulo, que eu montei, de turismo pra fora, me ensinou bastante coisa. Primeiro o conceito desses lugares distantes, com acomodações inacreditáveis, até certo ponto. Eu aprendi que muito era devido a coisas que não são valorizadas. Arquitetura e paisagismo, por exemplo, percebe-se muito claramente que a gente pensou muito para conceituar e fazer a modelagem. Foi uma obra feita com conceito. A gente não fez à toa, nem baseado em modismo. A gente até prefere não ser rotulado como uma obra no modelo novo de sustentabilidade, até porque eu acho que o modelo clássico de sustentabilidade está meio ultrapassado. Quando a pessoa fala “somos uma obra sustentável”, aí vem com aquele papo “ah, tem que reaproveitar a água, tem que ter painel solar pra aquecimento”. Tudo isso a gente tem, é verdade. Tem energia com painel solar, água quente com painel solar, tem tudo isso, mas a sustentabilidade tem que ser uma coisa mais ampla, que envolve o que aprendi na África.

 

pms.am – Detalhe mais esse modelo.

Ruy Tone – Tem que ter uma integração maior com a sociedade local, porque num lugar desses você tem que integrar também a formação das pessoas. Não é simplesmente chegar, impor e dizer “é assim que você vai trabalhar”. A gente tem que trabalhar todo um conceito e é muito bonitinho que essas pessoas vêm, no decorrer dos anos, reagindo muito bem.

 

pms.am – A mão-de-obra local está se qualificando?

Ruy Tone – Eu, claramente, enxergo que as pessoas que estão trabalhando no Mirante do Gavião e dentro dos barcos ou nos restaurantes estão tendo uma evolução. Uma evolução que seria difícil acontecer se a gente não tivesse a contratação de pessoas de fora, de São Paulo, que se propõem a criar essa ponte. O melhor jeito de fazer evoluir é transferir o que já está na frente e criar além disso. As pessoas daqui, a gente quer que recebam essas coisas diferentes e a partir daí elas criem uma ponte com o amanhã.

 

pms.am – As fotos e matérias do Mirante do Gavião têm grande repercussão na Internet. Nós mesmos, no site www.amazonasemais.com.br, mostramos a obra, a construção ainda antes da finalização, e os acessos bombaram…

Ruy Tone – Deixa eu contar uma curiosidade. Uma coisa que mata muito isso aí. Eu, pessoalmente, quando vim pra Amazônia, vim dentro de um modelo de quem viajava o mundo e tinha produtos pra oferecer, muito bacanas, na África e Ásia, e não tinha produto para oferecer no Brasil, dentro do que eu tinha pelo mundo. E programas de ir para lugares isolados, em grupos pequenos, ter um atendimento superbacana, não extremamente luxuosos, mas extremamente bacanas, com o sorriso das pessoas, as pessoas cuidando de você e você se sentindo em casa. Dentro do barco, o conceito é muito desse. Os barcos não são iates. São de madeira local, com personalidade local. Foram construídos aqui em Novo Airão, por gente daqui, com madeira daqui, com tecnologia daqui. Só que a gente criou a ponte. Ele tem personalidade. O barco tem personalidade, mas utilizando tecnologia local. Eu não entendo e nunca entendi de barco. A gente sabia que para conhecer a Amazônia é preciso de barco. Não tem estrada, não tem avião, não tem trem, a melhor forma de locomoção é o barco. A gente ficou anos, de 2004, que é a formação da empresa, a 2010, quando ficou pronto o segundo barco, o Jacaré-Açu, e até 2014, só com barcos. Nossa vida sempre foi viajar para cima, conhecer as comunidades, os afluentes, Jauaperi, Jaú, Puduari, Aracá… A gente navega por vários afluentes, tem vários programas aí pra cima. A gente sempre gostou dessa forma de viagem, de integrar as pessoas que vêm de longe pra conhecer verdadeiramente a cultura amazônica, do ribeirinho, encontrando com eles, jogando futebol com eles, comendo churrasquinho com eles na beira do rio, pescando uma piranha, remando nos igapós e observando as cachoeiras. Esse culto à natureza pura e integração com quem habita aqui sempre foi nossa preocupação. Mostrar a beleza da natureza intacta com a beleza das pessoas que vivem ali dentro. Dentro disso, as pessoas poderiam gerar os questionamentos que todo mundo gera. Por que tem derrubada de floresta? Queimada, caça, contrabando de quelônios, essas coisas também? Mas a gente queria que as pessoas que viajam com a gente vissem as coisas e criassem sua própria opinião sobre o que acontece na Amazônia.

 

pms.am – Você estava falando sobre o impacto, a repercussão que o Mirante do Gavião vem obtendo…

Ruy Tone – É. Dei toda essa volta pra vocês entenderem que a empresa não é o hotel. O DNA nosso é o barco, porque é a forma que a gente sempre acreditou de conhecer a cultura amazônica, que era o que eu queria: ter um produto genuíno, brasileiro sobretudo, além de tudo amazônico, que entendemos que tinha que ter barco. E a gente sabia que a parte mais livre é daqui pra cima.

 

pms.am – Como assim?

Ruy Tone – Todo turismo amazônico é feito de Manaus até aqui (em Novo Airão). O Iberostar vem até aqui, o Ariaú é no meio do caminho, o Anavilhanas é logo aí, o Tiwa é lá perto, mas, de qualquer forma, 100% dos hotéis de turismo são daqui até lá, daqui pra cima não tem mais nenhum hotel de turista e quase não é praticado o turismo de barco. A gente resolveu montar a base aqui, pra ter tudo livre lá pra cima, pra ser um local mais isolado.

 

pms.am – E o hotel se insere nesse contexto?

Ruy Tone – Aí, onde é nossa sede, o pessoal vinha de carro até aqui, entrava e saía, e tinha lá o terreno da empresa. Um dia, a gente resolveu fazer uma coisa mais agradável para os clientes, um restaurantezinho, um barzinho, onde o pessoal ficaria bebericando, comendo, esperando o barco para a excursão ou o carro para Manaus. Era um hub de interligação entre entrada e saída. Aí a ideia evoluiu pra fazer alguns quartos, pra que eles fossem bonitos de verdade e virou o Mirante. E aí o Mirante criou vida própria. Porque a gente, no mercado, descobriu que tinha gente que não queria, nem ferrando, viajar com a gente de barco. Só pela ideia de ficar uma semana sem internet, dentro de um barco, num rio da Amazônia, isolado, nem ferrando! (risos) Quando falou “então fica no hotel”. Aí, no hotel, eles dizem, “eu fico”. Tem internet? Tem. Tem luz? Tem. Tem telefone? Tem. Aí ele vai. E hoje tem vida própria porque a gente acaba vendendo de forma independente. Tem os clientes que fazem os barcos e os que optam pelo hotel. Pouquíssimos fazem os dois, que é o que a gente recomenda, dentro daquela ideia de que era um hub de interligação. Tem clientes que navegam, voltam e ficam um, dois dias no hotel, antes de voltar para a civilização.

 

pms.am – O hotel ganhou prêmios de arquitetura?

Ruy Tone – Ganhou, ganhou. Em São Paulo, prêmio de melhor projeto, acho que comercial, da AsBEA (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura), que é muito focada em projetos.

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O restaurante-flutuante Flor do Luar, com a chef Débora Shornik, é visita obrigatória em Novo Airão

pms.am – E a vertente dos restaurantes, o flutuante Flor do Luar, o Camu-Camu no Mirante do Gavião e o Caxiri, em Manaus, a chegada da Débora Kosnik? Como foi?

Ruy Tone – Dentro da vontade de que o cliente tivesse experiência visceral da Amazônia, inclui-se a comida. A gente vem tentando harmonizar ingredientes que são muito bacanas, locais, como buriti, jambu, camu-camu, que sejam frutas, condimentos, mesmo vegetais. A gente vem tentando inserir de forma diferente para quem vem. Acaba sendo bonitinho porque a gente nem tinha essa ideia quando começou. A cozinha do barco continua dentro do conceito que a gente criou a empresa: muito regional, com arroz carreteiro, peixe inteiro, saladinha do lado, tudo muito caseiro. Aqui no hotel, no Flor e no Caxiri Manaus, a gente já partiu pra não ficar tudo igual, pro cara realmente sentir diferentes qualidades, dependendo da forma de apresentação e da forma de uso dos ingredientes. Por isso que é assim: no barco regional, típico; Flor do Luar, um padrão um pouquinho mais trabalhado, mas ainda num nível super informal. A gente quer que as pessoas venham, nadem, se o cara tem grana ou não, vem e pula no rio, tem prato mais popular, outro que dá pra dividir a família inteira. O Flor do Luar foi feito pras pessoas virem nadar, tomar uma cervejinha e curtir o parque aqui na frente. O Camu-Camu já é uma ideia de criar uma culinária mais a la carte, tentar trabalhar os ingredientes tradicionais amazônicos pra ver se criava uma cozinha diferente. O Caxiri é uma evolução do restaurante do hotel. São níveis diferentes de tratamento. O cliente que vem comendo na linha inteira se diverte. Ele vê as diferentes formas de tratamento dos ingredientes. O tambaqui você vai ter no Caxiri, no Flor, no Camu-Camu e no barco, todos de forma diferente.

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Costela de tambaqui do restaurante Caxiri, ao lado do Teatro Amazonas, na rua 10 de Julho, traz um novo olhar sobre a culinária amazônica

pms.am – Qual é o pacote completo da Katerre? O que o turista pode ter?

Ruy Tone – Tem muito paulista e manauara que só quer curtir o hotel e dificilmente fazem pacotes de viajante. Esses pacotes mais completos incluem programas pra conhecer um pouco da identidade local, atividade de manhã e outra à tarde, entre as refeições, que às vezes são feitas fora. Por exemplo, pra ver as grutas de Madadá, a gente faz uma trilha de três, quatro horas, mais três horas de voadeira pra chegar lá e assa um peixe numa tapera lá, chegando no hotel no fim da tarde. É atividade full day fora e janta no hotel. E tem os passeios mais próximos, que aí acaba dando tempo de fazer um de manhã, tipo ver o sol nascer, fazer trilha aquática, almoça no hotel e volta pra ver comunidade à tarde, vê o pôr-do-sol e janta no hotel. A gente tenta fazer com que quem fica três, quatro dias tenha uma evolução no conhecimento da realidade local.

 

pms.am – Quer dizer que os pacotes podem ser, digamos, ‘customizados’?

Ruy Tone – A gente não queria ter pacote. Só temos porque a gente sabe que a cidade ainda não tem essa estrutura para oferecer, não tem operadores locais que ofereçam um trabalho homogêneo. Se você chegar na beira do rio tem gente que vai te oferecer a mesma trilha, barco pra ver o pôr-do-sol, mas é sempre aquele risco de o cara não aparecer na hora marcada ou cobrar mais do que acertou. Isso tira um pouco da poesia.

 

pms.am – O que vem por aí? Quais são os planos para o futuro?

Ruy Tone – Agora é consolidação. A gente está evoluindo nas vendas. Julho, agosto foram muito bons para nós, mas alguns meses, como setembro, baixou demais. A Amazônia tem uma particularidade muito boa, em qualquer mês do ano, sendo muito confortável, independente de quando o turista queira vir pra cá. Os negócios estão abertos. São esses. A gente quer integrar Manaus-Novo Airão. Em Manaus é o Centro Histórico, o Teatro, por isso a gente baseou o (Boutique) hotel (Casa Teatro) e o restaurante (Caxiri) ali. Em Novo Airão você vem visitar o (flutuante) Flor do Luar, os botos e as expedições lá para cima.

 

pms.am – Quanto tempo demorou para fazer essa montagem?

Ruy Tone – A gente está desde 2004. Até 2010 só com o barco pequeno, que inclusive nós, os sócios, o Tito, que comanda o Jacaré-Açu, o Cléber, que é candidato a prefeito de Novo Airão, navegamos bastante lá para cima.

 

pms.am – Quais são os seus sócios locais?

Ruy Tone – Na Katerre, Noé, Tito, Cleber e eu. No Flor do Luar, a Cármem. No (restaurante) Caxiri, a Débora. No Paradise (Hotel Boutique Casa Teatro, na rua 10 de Julho, Centro de Manaus), a Cláudia Mendonça. O duro é integrar e criar a mesma forma de pensar. É muita gente envolvida e a gente tem que criar liga para, mesmo sendo setores diferentes e sócios diferentes, ter uma identidade entre eles. Não é fácil.

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Hotel Boutique Casa Teatro, parceria de Ruy Tone com Cláudia Mendonça da Paradise Turismo, também na rua 10 de Julho, Centro de Manaus

pms.am – Qual sua opinião sobre a estrutura de apoio ao turismo no Amazonas?

Ruy Tone – Eu nunca tive muito vínculo com os setores públicos. Não fui atrás de financiamentos, ajuda, nem quando estava construindo ou mesmo na promoção dos nossos produtos. Muito pouco. Quando você monta a estrutura, acaba cruzando com as pessoas que trabalham no setor de turismo no Estado. Eles têm uma limitação de trabalho que a gente não tem. É estranho pra nós. A gente consegue algumas coisas que funcionam pro Estado inteiro e muitas outras para a cidade. A gente trabalha para o Amazonas e para a Amazônia e para Novo Airão, quando sai qualquer publicação nossa, em qualquer revista do Brasil – e sai em centenas de lugares, centenas de revistas diferentes. O Mirante foi capa na principal revista de arquitetura do Brasil. Eles gostaram do projeto e esmiuçaram o projeto inteiro. Os 50 mil engenheiros e arquitetos do Brasil leram isso e viram um projeto de Novo Airão. Pra chegar numa revista dessas e num setor desses, que não é atividade fim do hotel, mesmo que o Estado quisesse não conseguiria ajudar. Só que a gente trabalhou, indiretamente, no trabalho deles de divulgação de um projeto para fomentar o turismo no Estado inteiro. A gente conseguiu aquele filminho de bordo da TAM.

 

pms.am – O filme que passa durante os voos nos aviões?

Ruy Tone – Pois é. Nem eu sabia. Eles pediram pra visitar o hotel, conhecer, a gente deu, e veio a jornalista, fotógrafo e achávamos que era pra revista de bordo. E realmente saiu a reportagem na revista. Mas eles gostaram tanto do Anavilhanas e do hotel que fizeram um filme que saiu em todos os voos brasileiros, num mês inteiro, julho do ano passado. Eu só fiquei sabendo depois que um monte de gente voou na TAM e começou a dizer: “Teu hotel tá na TAM!” Aí eu fui atrás. É uma atividade que acabou gerando tráfego para o Amazonas, para a Amazônia e para o Anavilhanas. Se eu pedisse pro Governo “me arruma um espaço na TV, uma reportagem na revista da TAM”, provavelmente eles conseguiriam, nos canais deles, mas acabou caindo na nossa mão, sem essas ferramentas.

 

pms.am – Alguma mágoa pela falta de apoio?

Ruy Tone – Não tenho mágoa. A gente não tem um empreendimento gerador de tráfego de massa. Nossos barcos um tem três quartos, outro tem oito quartos e o hotel sete quartos. Nada do que a gente está fazendo é para a massa. A gente precisaria de vários empreendimentos desses para, aí sim!, ter a atenção do Estado, que precisa gerar tráfego para centenas. Precisaria de 1 milhão de pessoas vindo visitar o Estado. A gente não tem essa capacidade. Por isso não tenho mágoa. Eles têm que divulgar o destino e não o nosso hotel. Mas a gente atinge canais que acabam divulgando o Estado, como os voos da TAM e o revista de arquitetura. Vinte páginas falando do hotel e o complexo fica onde? Na Amazônia. Novo Airão. Em toda revista eu brinco que sou de Novo Airão porque isso divulga o destino. Quem acha caro o Mirante, ótimo, mas tem que decorar que é em Novo Airão. Aí vai pesquisar e vê pousada de R$ 50 ou R$ 100 e vem visitar a cidade.

 

pms.am – O que falta para melhorar o ambiente do negócio do turismo no Amazonas? E para usar o patrimônio representado pela natureza amazônica?

Ruy Tone – A gente está dentro de um País que é muito desorganizado. Você veio de estrada? Precisa falar mais alguma coisa? Como você vai convencer as pessoas de que aqui é a oitava maravilha do mundo com uma estrada perigosa, difícil, mal cuidada daquelas? Tem uma reforma aí que quando vai acabar? A gente tenta avisar as pessoas que têm coisas complicadas na Amazônia. O Governo tem que gerar infraestrutura melhor, não para nós, mas para todos. Não só pro Mirante, Katerre ou Flor do Luar. Estrada é Estado ou Federal. Coleta de lixo é Prefeitura. Se a cidade fosse mais limpa, tivesse calçamento adequado, acesso mais confortável, isso melhoraria a ideia que o visitante tem da cidade.

 

pms.am – Qual é a sua participação na Fundação Almerinda Malaquias?

Ruy Tone – Todo mundo que trabalha na região acaba se comovendo com um monte de história de ribeirinho, de comunidade e mesmo na cidade. A gente contribuía com uma ajuda aqui, outra ali. Uma coisa meio maluca. A gente não tinha uma identidade e tentamos organizar isso numa ONG, uma fundação pra organizar a ajuda pra essas comunidades, uma entidade que contemplasse esse cunho mais social. Aí a gente foi conhecer as entidades que trabalham nessa área e chegamos à Fundação Almerinda Malaquias. A ideia, no começo, era identificar o que eles estavam fazendo pra gente evitar superposição. Mas a conversa com o Jean Daniel identificou bastante coisas em comum e que a melhor ideia era juntar as forças pelo objetivo, muito parecido. Dessa conversa, que era para criar a nossa, acabamos decidindo abraçar a causa deles. A nossa nem surgiu. Agora sou presidente do conselho. E aí a gente acaba tendo agora uma forma organizada de trabalhar essa atividade de cunho social. É interessante que, mesmo a gente trabalhando dentro da Fundação Almerinda Malaquias, a gente continua fazendo o negócio maluco do ajuda aqui, ajuda acolá.

 

pms.am – Dê um exemplo de atuação fora da fundação.

Ruy Tone – Essas escolas isoladas dão bastante tristeza e a gente acaba tendo que atuar e suprir necessidades que não são atendidas pelo poder público. Uma escola que pertence ao Município de Novo Airão e está a 30 horas daqui, a gente entende que a Prefeitura tem que cuidar primeiro da cidade e não consegue chegar lá tão longe.

 

pms.am – O que faz a fundação?

Ruy Tone – Ela foi criada para gerar renda alternativa para os moradores de Novo Airão. O objetivo era criar renda pelo artesanato de madeira, reciclagem de papel e sabonete. São frutos do trabalho do Jean Daniel, que ensinou, trouxe know-how, trouxe essa sabedoria e que acabam gerando o objetivo final, a renda para as pessoas envolvidas no trabalho. Só que esgotou esse modelo. A capacidade instalada é o que dá pra vender na cidade. Estamos mudando nossa energia para a educação complementar, para as crianças de Novo Airão, para gerar conhecimento em relação ao meio-ambiente. Estamos focados para entender que 85% da área de Novo Airão, que é do tamanho da Suíça, está sob regime de preservação, de APA. É um modelo bacana e eles vão ter que aprender a conviver com a floresta em pé e gerar renda para eles.

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5 comentários

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  1. Itamar souto disse:

    Parabéns pela matéria, demonstra claramente que temos potencial turístico, temos possibilidade de investimentos com retorno, e, o ruy delineia muito bem as necessidades que o estado tem.
    Ordenar a atividade para todos, pois assim haveria maior investimento natural no setor, como venho explanando cotidianamente precisamos de um plano estadual de turismo real, factível, que de o norte para o perfil do turista para Manaus(turismo de negocios e eventos) e regiões do interior potenciais (ecoturismo).
    Parabéns aos investidores deste empreendimento, conheço bem sra. Cláudia Mendonça, em breve buscarei conhecer o ruy.

    Deixo uma pequena contribuição, pelo teor da reportagem percebo que estão muito voltados para sustentabilidade em sua maior percepção (ambientalmente correto, economicamente viável e socialmente justo).

    Existe um excelente programa no país, que pasmem, não evoluiu por aqui, mas recentemente ganhou notoriedade em kuala lampur, sobre normas de certificação 15401 meios de hospedagens – requisitos sustentabilidade que tem perfeito alinhamento com o emprrendimento da reportagem.

    Deixo a que meus parabéns a todos.
    Ao ruy, claudinha e demais sócios pela visão acertada sobre a potencialidade do turismo no Estado do Amazonas;

    A você marcos santos, que tão bem defende e dissemina a importancia do turismo para o estado do Amazonas, pois temos uma pujante potencialidade que infelizmente não é utilizada. Tornando muito difícil para quem quer empreender turismo por aqui.

  2. Cláudia disse:

    Uma pessoa que gosta e acredita nas pessoas! Isso que o mundo precisa!
    No mundo em que vivemos é tão raro isso, que são tratados como “magos”. Que seja então! E que sejam inspiradores para o surgimento de novos magos!

  3. James Jr disse:

    Parabéns Ruy! Isso sim é trazer desenvolvimento e renda, preservando a natureza e a cultura local e fazendo com que as pessoas acreditem que podem ter suas vida de
    Forma digna sem precisar ir se aventurar em Manaus! Orgulho de ler toda essa reportagem! Parabéns novamente

  4. boa iniciativa, vamos em tentar desevolver turismo en amazonia

  5. Vanda Soares disse:

    Parabéns a todos pela iniciativa, estou apaixonada pelo projeto e pelos exemplos de sustentabilidade. Tive o privilégio de conhecer Patrícia O’Reilly e admirar eternamente seu trabalho.