1978. Naquela Copa, a da Argentina – em todos os sentidos – já fazíamos na avenida Tarumã (antiga Paes de Andrade), Praça 14 de Janeiro, algumas singelas pinturas: um quarteirão aqui, outro acolá, porém, a avenida, extensa, por sinal 1.000 metros, constituída por oito grandes quadras, ainda não havia se “integrado” na brincadeira de ornamentação, durante aquela Copa do Mundo de futebol, mas já despontava como a maior rua da cidade em que seus moradores faziam a decoração especial, em verde e amarelo, inerente à festa quadrianual.
Rapidamente, a avenida passou a ser uma rua eivada de comércio para automóveis. Na Copa seguinte, a da Espanha, em 1982, Todos os oito quarteirões da grande artéria se ornamentaram e isso sem haver reuniões com moradores de cada quadra. Foi espontâneo mesmo. Nas quadras compreendidas entre a Major Gabriel e a Duque de Caxias, os moradores já se conheciam há décadas e foi mais fácil a união. Participavam das ornamentações, não só os residentes, mas também alguns trabalhadores de oficinas mecânicas de autos, autopeças e borracharias do local. O centro das reuniões era o comércio da minha mãe, dona Débora. As vitórias da Seleção também para ali convergiam, naquele setor da avenida.
Nomes como Hélio, Gumercindo, Santiago, Samuel, Artista Airton, David Lima, Valéria, Soraia, Ester, Nazareth, Carlão, Carlinhos Machado, Arnaldo, Pig, Adilson, Célia, Cléuson, Júlio, João, Miguel, Thallis, Ádson Matos, Mário Jorge, Rubercy, Camelo, Almeida, Mário Ribeiro, Mário Sérgio, Osmar Magrinho, Beto, Baixinho, João Pintor, Moacir, eu, inclusive, dentre tantos que a memória de momento permite lembrar, deram um pouco de suas horas de folga para pintar os muros, o próprio asfalto da rua e confeccionar e levantar as cordas de bandeirinhas nas cores verde, amarelo, azul e branco. Dias depois, ainda em maio de 1982, víamos Todos os 1.000 metros da avenida Tarumã, ornamentados, belamente, e sem estardalhaço algum.
Talvez o único “estardalhaço” que houve, ainda naqueles últimos anos de Ditadura Militar, foi uma notícia sobre a rua, que, por causa da lerdeza comunicativa da época, só saiu no maior periódico local, três dias após o fato. Num dos jogos do Brasil – contra a Nova Zelândia (4 a 0), logo após a partida, um caminhão “lotado até o bico” de torcedores, passou pela Avenida, destruindo quase todas as bandeiras, com auxílio de varas… na zoeira mesmo (como dizia minha saudosa avó: “com o espírito do maligno”…) Pra que? o erro deles foi continuar quebrando ali dentre a Jonathas Pedrosa e a Duque de Caxias (onde a maioria de nós estávamos). Nesse momento, fora iniciada uma “bela batalha”, pois o povo da Tarumã se uniu mais do que nunca e contra-atacou os malfeitores.
O caminhão e seus torcedores irresponsáveis saiu com bastantes baixas e avarias, inclusive o jornal destacou isso… e parece-me que foram os próprios “caroneiros” que foram à redação do matutino denunciar, posando de coitadinhos… Afinal, quem estava com a razão? Nós, que passamos meses ornamentando a rua, ou os torcedores bêbados que vinham quebrando todo o nosso suado e belo trabalho?
A avenida Tarumã tinha seus “naranjitos”, magistralmente pintados pelo artista Airton e pelo João Pintor. Os muros da casa com a indicação do tetracampeonato, que ainda não viria em 1982… Bandeirolas a perder de vista e, em várias casas, ornamentações particulares. Nossa maior felicidade foi ver Todas as quadras ornamentadas, desde a Joaquim Nabuco, lá em riba, no Centro da cidade, até o igarapé, depois da Duque de Caxias… Sim senhor: exatos 1.000 metros de beleza…
Em 1986, com a avenida quase toda voltada ao comércio e a diminuída drástica do número de moradores, a ornamentação diminuiu e já não estava toda ela, decorada, perdendo espaço, na cidade para outras ruas, que também, agora, faziam a mesma coisa (ruas menores, inclusive). Em 1990 foi, talvez, o último ano de ornamentação maciça na grande avenida, mas já sem muito apelo popular.
Hoje, rememoro aqueles tempos “pioneiros” em se ornamentar ruas e suscito à memória, os moradores de todos aqueles quarteirões (Joaquim Nabuco à Afonso Pena, desta à Apurinã, desta à Major Gabriel, desta à Emílio Moreira, desta à Jonathas Pedrosa. Da Jonathas à Visconde Porto Alegre e desta à Duque de Caixas e ainda completando, desta até o igarapé do Mestre Chico, que separa a Praça 14 de Janeiro, do bairro da Cachoeirinha.

Daniel Sales
* Daniel Sales é pesquisador cultural.
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