Diálogo moderno

– Seu nome, por favor.

– Eleutério dos Anzóis Pereira Lula.

– Nomes dos seus pais.

– Pascácio dos Anzóis Pereira Bolsonaro e Fredegunda dos Anzóis Pereira Marina.

– Desculpe, mas por que essa diferença entre nomes dentro de uma só família?

– O senhor sabe como é. Os doutores agora disseram que a gente pode homenagear os nossos heróis de uma nova maneira. Vai daí que eu estou até hoje chorando por causa da prisão do meu ídolo e resolvi acrescentar o nome dele ao meu, como forma de provar que eu acredito piamente na sua inocência. Meu pai é um brutamontes reconhecido. Para o senhor ter uma ideia, só nessa tal de lei Maria da Penha ele já tem uns três processos. Quem é que o senhor queria que ele homenageasse? Minha mãe, coitada, é uma lambisgoia subnutrida e acho que dá para o senhor entender o sentido da escolha.

– Muito bem. Filhos? O senhor tem e de que idade?

– Dois. Um menino, de doze, e uma menina, de treze.

– Essas crianças estudam?

– Olhe, eles estão matriculados na escola, mas desde que souberam que o Ministério da Educação proibiu que os alunos sejam reprovados, a coisa desandou. O curumim se benze quando vê um livro, não quer saber de ler de jeito nenhum. Quando eu pergunto o que ele pretende ser na vida, a resposta vem na maior cara de pau: presidente da República. Diz que, se não der, ele se contenta com o Senado. A cunhatã até que é melhorzinha, apesar de não largar o celular, mexendo nesse tal de zapzap e ouvindo dupla sertaneja. Mas é caprichosa a bichinha. Ela ouviu a dona Dilma dizer que se a gente conseguir estocar vento, o futuro do Brasil está garantido. Pois olhe só: essa menina recolheu tudo quanto foi caixa de sapato da vizinhança. Fechou cada uma muito bem fechada e em cada uma fez um furinho. Ela liga o ventilador e, depois de colocar o furo bem na frente, ela veda o buraco e vai depositar a caixa num canto da casa que ela chama “vento para o bem do Brasil”. Dá gosto de ver.

– Vamos em frente. Profissão?

– Usuário do programa Bolsa Família.

– Como o senhor não exerce nenhum ofício?

– Eu até que sou bom no que sei fazer. Acontece, meu senhor, que toda vez que eu procuro exercer essas habilidades, querem assinar essa tal de carteira do trabalho. Ora, o senhor me entende. Se assinarem minha carteira, eu perco o direito de receber esse dinheiro fácil da bolsa e eu posso ser tudo, menos leso. Onde já se viu? Deixar de ganhar sem trabalhar, só pela vaidade de exibir uma carteira assinada. Grande coisa. Mas eu faço minhas virações e com isso vou levando a vida.

– E quanto ao patrimônio? O senhor possui casa própria?

– Sim, senhor. Ela fica na etapa quarenta e cinco do programa Minha Casa, Minha Vida e eu tirei essa casa já faz uns dois anos.

– Quanto pessoas residem nesse imóvel?

– Como é que eu vou saber, meu senhor? Eu não moro lá, não.

– Mas como isso é possível? Se o senhor recebeu a casa do programa é porque não tem outro imóvel e há de precisar dela para residir.

– É bem capaz. Já lhe disse que não sou abestado. Eu alugo a casa e vou dar meu jeito numa invasão. Aqui é a sopa no mel. Eu demarco meu lote, monto lá um barraco de tábua, zinco e papelão. Depois que está tudo normal, já passaram o asfalto, com água e luz ligadas, eu passo adiante aquela propriedade e vou navegar em outras águas, porque, o senhor sabe, invasão é como coceira em macaco: não acaba nem fica pouca.

– Outro aspecto: o senhor tem plano de saúde?

– Não sei para que? O senhor já viu que quando alguém está doente de verdade e vai atrás do plano, obtém sempre a mesma desculpa: essa doença não está dentro da cobertura. Ora, para ser enganado assim, eu prefiro ficar com o SUS que é a mesma porcaria, mas, pelo menos, é de graça. Aliás, deixe eu lhe perguntar uma coisa: o senhor já percebeu que, agora, tudo quanto é doença passou a se chamar “virose”? Outro dia eu estava com uma febre desgraçada, uma tosse de tuberculoso e uma canseira dos infernos. Fui ao Pronto Socorro e o diagnóstico veio na hora: é virose. E a receita: calma, caldo de galinha e vitamina C.

– Estamos chegando ao fim. Com que importância o senhor pretende abrir sua conta neste banco?

– Duzentos mil reais.

– O quê? O senhor me desculpe, mas com esse histórico que o senhor relatou, onde é que foi possível encontrar essa verdadeira fortuna?

– Eu apliquei em bit coin. Além disso (o senhor não está gravando esta conversa, não?), durante algum tempo eu fui diretor da Petrobrás e de alguns fundos de pensão.

Pano rápido.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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