Minha indignação

Jamais consegui ficar indiferente diante da injustiça. Acho que seria a maneira omissiva de aplaudi-la ou, pelo menos, de com ela aquiescer. E isso acontece mesmo se a vítima é pessoa com quem não tenho nenhum tipo de relacionamento. Dá, então, para imaginar o que senti quando, há dois anos, a polícia federal invadiu o apartamento do meu filho Luís Carlos para realizar uma busca e apreensão. Estava acobertada por um mandado judicial, o que forrou de juridicidade formal a conduta, e, por óbvio, havia um inquérito policial em curso, o que significa dizer que a autoridade se dedicava a investigar a prática de algum crime. Foi uma dor profunda, daquelas que dilaceram os locais mais recônditos do coração, porque eu, mais do que ninguém, tinha obrigação de saber que imaginar o Caco (é assim que o chamamos em família) cometendo um delito é tão estúpido quanto acreditar que a Terra é o centro do universo.

Mas aconteceu e a angústia disso resultante se arrastou por esses infindáveis setecentos e trinta dias até que, por fim, a verdade despontou, sobranceira, altiva, irretocável: não houve da parte do meu filho nenhuma conduta reprovável. Quem pagará pela lama jogada numa reputação ilibada? Quem apagará as escandalosas manchetes da mídia que, pelo Brasil inteiro, apregoaram a ignomínia? Quem me ressarcirá pelos lenços que estraguei chorando amargas lágrimas, nas noites em que tristeza infinda de mim se apossava?

Não, não quero nem um tostão dos insensíveis e irresponsáveis mercenários que tentaram enxovalhar a honra do meu filho. Seu dinheiro há de ser tão nefasto e podre quanto suas consciências, se é que as têm. Quero apenas que eles fiquem sabendo da minha indignação de pai, de cidadão e de homem de bem. Por isso, vou transcrever trecho do texto que, quando estava em andamento essa “via crucis”, escrevi. Diz ele assim e para mim é o que basta: “O mais velho deles, batizado como Luís Carlos Honório de Valois Coelho, resolveu fazer o concurso para juiz de direito, no Tribunal de Justiça do Amazonas. Fez, passou e foi nomeado para a comarca de Tabatinga.

Chegou a promoção para a capital e, aqui, a lotação na Vara de Execução Penal, onde permanece até hoje. São mais de quinze anos com a incumbência de cuidar no sentido de que as pessoas condenadas a cumprir pena de prisão não sejam submetidas a nada além disso. Vale dizer: perderam a liberdade, mas é dever do Estado manter intocados todos os seus outros direitos, inclusive e principalmente aqueles inerentes ao ser humano como tal. Árdua missão, na medida em que a estrutura do sistema prisional brasileiro é medieval, retrógrada e corrupta.

Caco não se intimidou com isso. Foi à luta. Fez mestrado e doutorado, nunca tergiversando na convicção de que a pena de prisão, como posta no cenário atual, é cruel, além de inútil. Muito mais ainda porque banalizada e distribuída a mancheias, a partir de uma visão tola e repressiva que, invocando uma ressocialização utópica e mentirosa, tem o cárcere como panaceia universal.

Pois muito que bem! Esse meu filho, esse juiz de direito, inovador, humilde e competente, humanitário e dedicado, é hoje reconhecido, acatado e admirado pelas mais respeitáveis instituições jurídicas do Brasil e do estrangeiro. Sem embargo disso, tem sido vítima, paralelamente, de uma soez campanha difamatória, assim como se estivesse vinculado a organizações criminosas e atuando para satisfazer interesses menores e ilícitos de presos. É a imputação mais abjeta, estúpida e desarrazoada. Só os completamente idiotas lhe podem dar crédito.

Apesar disso, dói. Dói muito e profundamente no coração deste velho pai. Fere o seio de uma família, porque mutila a verdade, porque engrandece a leviandade e porque consagra a mentira. Estou, por isso, profundamente indignado. Minha indignação é daquelas que não encontram limites. Ela não se forja apenas no cadinho do amor paternal. Vai além: repousa na revolta contra a injustiça, na intolerância com a estupidez e no mais acendrado amor à verdade.

Por isso, perdi a paciência. Já não aguento ver meu filho sofrer por conta da estupidez alheia. Indignado e sem paciência, quero fazer uma conclamação a todos aqueles que, aqui ou alhures, detrataram ou detratam meu filho: vão solenemente à merda. Nela fiquem e, nela, façam como o filósofo Diógenes: acendam uma lanterna ao meio-dia e busquem dentro de suas próprias famílias, se é que as têm, alguém que possa chegar aos pés do meu filho em honradez, competência e dignidade. Duvido que encontrem”.

Foi isso o que escrevi e é isso que repito, agora tranquilo, sereno, depositando o mais carinhoso dos beijos no Caco, que há de ter a grandeza de perdoar a insensatez dos répteis.

 

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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1 comentário

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  1. Hamilton Luiz Amaral Gondim disse:

    Dr. Félix Valois, muito bonito e real a sua defesa; tenho três filhas, e fico muito indignado com o que fazem com nossos filhos, mesmo, antes de comprovarem nada. Meus sinceros agradecimentos por sua indiguinação; que é a minha também. Parabéns por todos nós, que temos filhos honestos. Tenho uma médica, uma juíza de direito e uma médica; sou muito feliz com a profissão das três; sou médico!!