Garantido e Caprichoso reeditam o começo de tudo: o Auto do Boi, com Pai Francisco e Mãe Catirina, está de volta

Garantido e Caprichoso reeditam o começo de tudo

Garantido e Caprichoso reeditam o começo de tudo, em grande parte por insistência de João Paulo Faria. Na foto, ele aparece na pele de Pai Francisco e na rotina do trabalho de marketing

A cantora Márcia Siqueira vira Mãe Catirina. E João Paulo Faria, neto de Maria Ângela e sobrinho de Paulinho Faria, é o primeiro Pai Francisco que canta. O Garantido 2015 resgatou o Auto do Boi, 2016 e 2017 lançou toada específica e 2018 mergulha na história. O espectador mais atento verá, no Bumbódromo, a conclusão disso tudo… no Caprichoso. O azul e branco traz os fatos após a morte do boi, com a dura cobrança do amo. Agora é esperar pelo que farão os arteiros dos dois bumbás. Vai ter arte. E da boa.

A história da transição bumba-meu-boi para boi bumbá é eivada de adaptações. Um dado, no entanto, é constante: alguém dedicado, talentoso e insaciável por novidades insistiu até chamar atenção para determinado item. Foi assim quando os irmãos Toni (amo do Garantido) e Inaldo Medeiros fizeram “Filhos do sol”, trazendo a temática indígena. Agora João Paulo Faria, neto da torcedora símbolo, Maria Ângela, sobrinho do apresentador Paulinho Faria, resgata o Auto do Boi.

 

Pai Francisco ‘na marra’

João Paulo tem uma história de contestações no Garantido, sempre buscando preservar tradições. Em 2013, com Mencius Melo, Neto Cidade, Rafael Lacerda e Zezinho Faria, lançou um CD alternativo. Toadas haviam sido esquecidas no ano do centenário do bumbá, deixando de lado até o fundador, Lindolfo Monteverde. Para completar, o trabalho foi gravado por David Assayag, odiado no vermelho por estar no Caprichoso. Em 2014, ainda em meio ao turbilhão que o CD provocou, lá estava João em nova batalha quixotesca. Ele agora queria, contra a direção de arte, resgatar o Auto do Boi. E, mais que isso, decidiu ele próprio personificar a figura apagada de Pai Francisco.

O ano de 2015 foi também o primeiro da gestão recém-eleita e até então oposicionista de Adelson Albuquerque. A diretoria trocou a direção de arte, há 15 anos exercida por Fred Góes. O jornalista e compositor Mencius Melo assumiu os textos e ganhou voz. “João, te prepara que nós vamos encenar o Auto do Boi na arena. E você vai falar”, avisou Mencius. Foi aí que a encenação, considerada arrastada demais para os bumbás “modernos”, ganhou fôlego.

Mencius idealizou um “teatro a céu aberto”. Deu voz não só a Pai Francisco, como também à Rainha do Folclore e à Porta-Estandarte. Foi a primeira vez que os personagens falaram na arena. Depois de 40 anos, o Auto do Boi estava de volta.

 

Surgem os baiás

Os compositores Enéas Dias, Marcos Moura (Marcos Boi) e João Kennedy viram o potencial do Auto do Boi e juntaram forças. Em 2016, os três lançaram “Auto do Boi Garantido”. Conseguiram, em quatro minutos, contar a história toda. Eles próprio se auto-denominaram “baiás”, isto é, guardiões.

O levantador Sebastião Júnior virou vagueiro. O Pai Francisco cantou. O amo, Toni Medeiros, voltou a interpretar e entrou na pele do dono da fazenda.

A inovação apareceu, na primeira noite, só com a encenação crua, sem alegoria ou corpo cênico de apoio. O sucesso, porém, fez com que a diretoria de arte, novamente com Fred Góes, montasse tudo para a terceira noite. Bailado Corrido e Vaqueirada compuseram um gigantesco corpo de dança, dando vida à apresentação. O ato acabou se tornando um dos mais marcantes do 31º título do Garantido-2016.

Os pontos obtidos por Djidja Cardoso, Sinhazinha do Garantido, se deveram à dramatização do Auto do Boi. Isso virou consenso entre os especialistas do Festival Folclórico de Parintins. E, em 2017, o Caprichoso também resgatava Pai Francisco e Mãe Catirina para além das palhaçadas miúdas. O bumbá lançou mão, para isso, de uma toada de 2014, de Alder Oliveira. O Garantido repetia, agora com casa do amo, curral, boizinhos etc., o Auto do Boi de 2016.

 

O desafio de 2018

Pai Francisco e Mãe Catirina, o casal que originou a festa toda, não é item. Não dá pontos. Os dirigentes pelo menos tiveram a sabedoria de torná-lo obrigatório, isto é, não podem faltar. Não estranhem se, em 2019, a estultice que os fez deixar de competir seja apagada. Até porque, neste 2018, a disputa promete se tornar mais e mais acirrada.

O Garantido investe pesado na toada “Perrechés do Brasil”, de Ivo Meireles, Sandro Putinok e Vanderlei Alvino. Ivo, um dos produtores mais queridos e articulados do samba, trouxe muitos artistas consagrados para o bumbá. O Caprichoso já anunciou Alcione, a Marrom, cantando com David Assayag a faixa “Boi de Negro”.

Pai Francisco e Mãe Catirina do Garantido contarão a história do ponto de vista do “Desejo de Catirina”, dos baiás. O Caprichoso vai de “Meu amado touro negro”, de Adriano Aguiar, Roberto Jr e Jr Dabela.

“Desejo de Catirina”, cantada pelo próprio João Paulo e Márcia Siqueira, é um dos momentos mais geniais da toada. A garotada adotou linha melódica similar aos versos do Amo, juntou ditos populares e contou tudo. Ficou ritmado, bem-humorado, gostoso de se ouvir.

Veja o vídeo de João Paulo, no momento em que colocava a voz final em “Desejo de Catirina”.

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Ouça as duas toadas, abaixo, e veja como uma emenda na outra. Um rival completa o fio histórico narrado pelo outro:

Garantido e Caprichoso reeditam o começo de tudo

O genial Adriano Aguiar, com parceiros, faz “Meu amado touro negro”, o Auto do Boi no Caprichoso

Entenda o auto

Uma negra, prenha e tinhosa, obriga o escravo a quem o amo confiou o melhor boi do pasto a matá-lo. O desejo da grávida é comer a língua precisamente daquele boi. Francisco, o preto velho, resiste, mas acaba satisfazendo a companheira. Principalmente quando ela o ameaça de, entre outras coisas, ficar um ano sem “furunfar”. A fúria do amo vira festa quando o boi é ressuscitado e se transforma em bumba-meu-boi. Ou boi bumbá. Mas aí chegou a Parintins e, com a reconhecida criatividade local, a história não podia ficar tão simples assim. Detalhes no Bumbódromo, dias 29 e 30/06 e 01/07.

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