Quadro constrangedor

Minha companheira me pergunta por que, sendo eu declaradamente contrário às práticas do lulopetismo, não vibrei com o resultado do julgamento da última quarta-feira? É difícil, confesso, alinhavar uma resposta satisfatória sob todos os ângulos. Em primeiro lugar, diria, como já o fiz em outras oportunidades, que minha índole não me permite, em nenhuma circunstância, gargalhar diante da desgraça alheia. Não é uma questão de caridosa piedade. Longe disso. Pieguice dessa ordem também não entra na minha linha de consideração. Cuido tratar-se mais de uma questão de circunspecto respeito para com a humanidade como um todo. Sendo eu dela integrante, parece-me razoável a atitude comedida mesmo em face de comportamentos desviantes e das suas consequências.

Ao depois, tendo visto o ruidoso espetáculo em que se transformou o processo em questão, minha veia profissional me acena com um desassossego diante da duvidosa formatação do cenário. Um magistrado que não consegue fugir da incidência dos holofotes não se me afigura como o ideal de isenção e imparcialidade. E um tribunal, em que uma verborragia pretensamente técnica se sobrepõe à essência, segue no mesmo caminho. O que, obrigatoriamente, me conduz à dúvida sobre o integral e rígido respeito às garantias constitucionais relativas ao desenvolvimento processual. Não estou, e nem poderia estar, fazendo juízo de valor sobre o mérito. Seria leviano, pois é da essência da advocacia conhecer a integralidade da prova para poder com ela trabalhar. Cinjo-me apenas ao que pude observar e, a partir daí, inferir.

Sobrepairando tudo isso, vem a questão política que, na verdade e sendo sincero, é o que realmente interessa. E dentro dela, a coisa se complica ainda mais. Parece que o país estava a exigir o afastamento de Lula, a qualquer preço, ao fito de remover óbice ao pleito do ano em curso. Mas aí é a minha vez de perguntar: por quê? Se a ameaça de retorno desse senhor e de seus asseclas é apavorante (e eu não duvido de que seja), tenho para mim que a solução é tão simplória que até me envergonho de enunciá-la. Não seria bastante negar-lhes o voto? Como poderia ele ser eleito de novo sem contar com a maioria do eleitorado? Agora, se tudo se traduz em simples receio de que ele dispute a eleição, vamos chegar ao surreal e ao inexplicável.

Ainda existe o componente ideológico do imbróglio. Forjado nas lições do marxismo-leninismo, nunca pude aceitar que Lula e PT fossem tidos e proclamados como de esquerda. Quando muito representaram uma face jocosa do sindicalismo de resultados, sem qualquer vocação para os altos desígnios insertos no materialismo dialético e no materialismo histórico. Mas, lançada essa ideia, por pura conveniência do próprio lulopetismo, a direita a ela aderiu e passou a tratar os adeptos da facção da mesma forma como os verdadeiros comunistas eram tratados pelos corifeus da ditadura. Que confusão insana! Lula é tão esquerdista quanto eu sou carola. Oportunista, megalômano, as trapalhadas de seus governos e dos da sua sucessora nada mais foram do que o reflexo de um projeto de poder pessoal, inteiramente desvinculado dos interesses do povo.

O certo é que o pontapé inicial foi dado e a agora a bola vai rolar de verdade, como sabiamente proclamariam os locutores esportivos. Quem vai ganhar o jogo? Bolsonaro e seus canhoneiros estão alimentando os mísseis e os drones com que pretendem demonstrar, entre outras coisas, que a tortura é o tratamento mais natural e perfeito que se pode conceder a um preso. Em nome da busca da verdade, é preciso dizer, para não ser injusto com esse bravo guerreiro.

A esquerda verdadeira, essa está mais perdida do que cego em tiroteio, sem ninguém que lhe conduza o barco. Qual barco, aliás? Talvez aquela barquinha pequenina que, tal como na cantiga, não saía do lugar. Assim fica fácil para os aventureiros de todos os matizes. Vão poder navegar em águas tranquilas. Discutirão a reforma da previdência, a reforma política e a reforma fiscal. No fim das contas, não vão reformar nada e tudo permanecerá como dantes no quartel de Abrantes.

Juro que não quero exercer minha prerrogativa de velho e deixar de votar. Não quero mesmo. Mas hão de convir os meus parcos leitores que escolher entre Bolsonaro, Collor e Alckmin, por exemplo, é dose para elefante. Nem pensar; “tô fola”, como diria minha neta Luciana.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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1 comentário

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  1. Marcelo disse:

    Concordo professor, escolher entre Bolsonaro, Collor e Alckmin é dose pra elefante. Excelente texto.