Raiva é apenas um dos problemas do rio Unini. Há um surto de malária também, revela bióloga do ICMBio

Problemas do rio Unini

Membros do projeto Jovens Protagonistas, do Governo Federal, na comunidade do rio Unini

Ana Figueiredo, 38, bióloga, há seis anos chefe da Reserva Extrativista (Resex) doUnini, começa esta entrevista ressalvando: “Escreve aí que a comunidade onde aconteceram os ataques de morcegos, Tapira, está na área do Parque Nacional do Jaú. É preciso deixar claro que, na margem direita, ficam a RDS Anamã e o Parque Nacional do Jaú. A Resex Unini fica na margem esquerda”. O local dos ataques de morcegos, onde viviam as vítimas, fica no Parque Nacional do Jaú.

Essa explicação é importante. Os moradores do Município de Barcelos estão vivendo um momento de tensão. As mortes de Lucas, 17, e Miriam, 11, irmãos, acometidos de raiva, mexerM com a Zona Rural.

Ana, funcionária do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), é militante da causa ambiental. Amiga de Levi Castro, pai de Lucas e Miriam, que faleceram, e de Mateus, doente, vive o drama da família.

Nesta entrevista, Ana analisa a situação no rio Unini, após o ataque dos morcegos hematófagos. Veja a íntegra da entrevista:

 

portaldomarcossantos – Como está o clima entre as famílias do rio Unini, após os ataques de morcegos e mortes que ocorreram?

Ana Figueiredo – Houve uma ação forte emergencial da Secretaria Municipal de Saúde de Barcelos, com equipes do Ministério da Saúde, vinda de Brasília, mais a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Estado. A gente, o ICMBio, entrou com uma parte do apoio logístico – voadeira, combustível, piloteiro. Eles fizeram a vacinação pós-exposição, em todos os que foram mordidos. Eles também fizeram a vacinação pré-exposição. As pessoas que ainda não foram atacadas foram vacinadas. Fizeram também palestras nas comunidades para acalmar a população quanto a contágio, prevenção, cuidados, importância da vacinação. Tinha gente que resistia à vacinação, não queria nem vacinar cães e gatos.

 

pms.am – Tem ideia de quantas pessoas foram mordidas por morcegos?

Ana – Eles ficaram de encaminhar um relatório, que estamos esperando.

 

pms.am – Você sente que a situação está mais calma?

Ana – As pessoas estão um pouco mais calmas. Entenderam um pouco mais a questão da transmissão, dos cuidados necessários, que achavam que era via oral…

 

pms.am – Como assim ‘transmissão via oral’?

Ana – Achavam que uma pessoa que tivesse sido contaminado podia transmitir a raiva via oral e até pela saliva. A gente sabe que existe essa possibilidade, mas tem que entrar numa ferida, na mucosa… Isso tudo agora a população sabe.

 

pms.am – A vacina está bem explicada?

Ana – A população agora está ciente da importância da vacinação. É uma coisa complexa. São várias doses. Na pré-exposição são três doses. Na pós são quatro doses, mais a aplicação de soro, que precisa ser acompanhada por médico, por conta das reações. Há o risco de choque anafilático e outras reações. Além disso, as doses são aplicadas em espaços de tempo , zero, sete, 14 e 28 dias.

 

pms.am – Há quanto tempo vocês avisam as autoridades de saúde sobre os ataques dos morcegos? Que autoridades foram avisadas?

Ana – Em maio de 2016 fizemos o primeiro levantamento do ataque de morcegos. Foi numa reunião de Conselho da Resex do Unini e Parque Nacional do Jaú. Havia, inclusive, um representante da FVS.

 

pms.am – A postura do ICMBio mudou, após os ataques dos morcegos e as mortes?

Ana – Como a gente trabalha com a parte de organização social, nesses últimos dois anos a gente vinha fazendo levantamentos. O Conselho Gestor da Reserva é bem atuante. A ideia era reportar esses levantamentos a esses setores da saúde. Informar sobre a gravidade da situação e que medidas deviam ser tomadas.

pms.am – Após os ataques de morcegos e mortes, algo novo foi feito?

Ana – Recentemente, fizemos uma reunião, em Brasília, com a Fiocruz e o Ministério da Saúde. Traçamos estratégias mais abrangentes, nível nacional, para a questão da saúde em unidades de conservação. A gente pretende iniciar parceria com a Fiocruz, dependendo de recursos, para implementar no Unini projeto de monitoramento de zoonoses. Temos recursos para geração de renda e organização social. A gente vai buscar recursos para a saúde, ainda. O que a gente mais precisa é fortalecer o conselho gestor da unidade. É uma instância onde participam as populações, as organizações de base e instituições locais, onde a FVS faz parte. A gente precisa ter esse diálogo mais próximo. Não só em relação à raiva.

 

pms,am – Há outras doenças nessa área onde você atua?

Ana – O rio Unini está com um surto de malária, depois de quatro anos sem ocorrências. Tem raiva, tem um surto de malária e outras doenças. São doenças para as quais é necessário atuação preventiva e menos paliativa. O nosso papel é articular com possíveis projetos ou instâncias que atuam na saúde.

 

pms,am – Uma família foi a mais atingida pelas mordidas de morcego. Morreram dois irmãos, Lucas e Miriam, e outro irmão, Mateus, está internado. Como está essa família?

Ana – Essa família é uma das maiores lideranças do rio Unini. São grandes amigos pessoais e lideranças expressivas. O Levi de Castro, pai, foi uma das pessoas que lideraram a criação da Reserva Extrativista do Unini. Ele está morando em Manaus, com a esposa, Débora, e o quarto filho, Tiago. Eles estão acompanhando o Mateus, internado no Hospital de Medicina Tropical. Mateus apresenta um quadro estável, porém grave. Tiago, o quarto filho, já foi vacinado e está bem de saúde.

 

pms,an – A casa deles é isolada, na comunidade Tapira?

Ana – Nada. Está no meio da comunidade. A questão é que o morcego tem a “fidelização da presa”. Ele sempre volta à pessoa que mordeu.

 

pms,am – O que faz o pessoal da comunidade de Tapira? Qual atividade econômica garante a subsistência deles?

Ana – São extrativistas. Trabalham no manejo do pirarucu, do peixe ornamental, beneficiamento de Castanha do Brasil, roça. Produzem farinha, plantam banana e outras culturas agrícolas. Eles vivem, basicamente, da roça e da pesca de subsistência.

 

pms.am – Tem um projeto no Unini para a pesca esportiva. Como está isso?

problemas do rio Unini

Ana, de verde, participou da festa dos comunitários do Unini quando o primeiro pirarucu do extrativismo foi pescado

Ana – O ICMBio contratou a Fundação Vitória Amazônica (FVA) para estudo avaliando modelos jurídicos para viabilizar a pesca esportiva no Unini. O estudo está em andamento e ano que vem esperamos uma análise do jurídico e uma proposição final. Aí vamos conversar com as comunidades e implementar alguma proposta que atenda às demandas delas. Tem que destacar que existe um embargo judicial vigente, proibindo a pesca esportiva no Unini. As condicionantes desse embargo são duas: a publicação do Plano de Manejo da Resex do Unini, o que já foi feito, em novembro de 2014, é uma. Falta a publicação do Plano de Manejo da RDS Amanã, em fase de elaboração.

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1 comentário

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  1. Marco disse:

    Preservar a fauna e flora e também os humanos.