Sobre impostos

Corre à boca pequena que é intenção do governo federal elevar a alíquota máxima do imposto de renda para trinta e cinco por cento. É um achincalhe. Se no patamar atual de 27,5% a cobrança já se traduz em nada menos que um assalto, a pretensa subida será um golpe fatal naquilo que é conhecido como classe média. Em ocorrendo tal absurdo, será ela promovida, com honras e louvores, à categoria de classe “mérdia”, eis que lhe serão subtraídos abruptamente meios elementares de sobrevivência.

Como simples cidadão, jamais consegui entender direito esse mecanismo de cobrança de tributos. Sei, é claro, que são eles a única forma de gerar receita para o Estado, em qualquer dos níveis da federação. Agora, como são pensadas e estabelecidas as alíquotas, como se define o que deve ser tributado, para onde vai o dinheiro arrecadado, todas são questões que se colocam muito acima da minha “vã filosofia”. Apenas pago e não bufo, até porque não me resta outra opção, sob pena de me ver às voltas com uma tal de “execução fiscal”. É ela o meio de que dispõe o poderoso ente estatal para colocar na linha os esquecidos e/ou recalcitrantes no pagamento do dízimo.

Minha ignorância, entretanto, não é fator impeditivo para processar algumas elucubrações. Ouço dizer, por exemplo, que o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo. Sobre o assunto poderá falar de cátedra o doutor Osíris Silva. Posso reconhecer apenas, pela experiência do cotidiano, que a afirmativa tem todas as probabilidades de ser verdadeira. Em nosso país (e não estou expressando o famoso complexo de vira-lata), até morrer é passível de imposto. Minha avó dizia que duas categorias de pessoas necessariamente tinham que ter dinheiro: bêbado e dono de defunto. Aquele, para poder sustentar o vício; o outro, porque, não sendo viável jogar o falecido aos urubus, terá que arcar com os elevados custos de um sepultamento. E com a chatice da burocracia, capaz de fazer esquecer até a dor da perda.

Nos tempos anteriores à ditadura, o Centro Popular de Cultura da UNE divulgava uma canção, cujo autor era Aldir Blanc, se não estou em equívoco. Nela, o brasileiro típico era denominado “João da Silva” e que, por não manjar “disso que o francês chama l’argent”, pagava “royalty, dinheiro disfarçado”, sendo “tapeado desde as cinco da manhã”. Era tão pesada a carga, que o pobre João pagava royalty até dormindo quando esquecia a luz acesa.

O mesmo se pode dizer do sistema tributário, gerando uma indagação corriqueira: para onde vai tanto dinheiro? Os orçamentos dos entes públicos no Brasil se traduzem, muitas vezes, em números de doze ou mais dígitos, o que implica, por via de consequência, em reconhecer uma arrecadação eficiente e poderosa. Mas, e o retorno? Quem, no final das contas, se beneficia com essa dinheirama toda? O povo não é, com certeza.

Nunca tivemos um “plano de Estado” para a educação. O ensino público se degradou de tal forma que já não é possível pretender que um adolescente, dele saído, consiga ler e compreender um texto literário dos mais simples. Enquanto isso, a rede privada de estabelecimentos de ensino fatura fortunas impensáveis, paralelamente à produção de livros didáticos, de conteúdo no mínimo duvidoso, o que acaba também não implicando em melhoria na instrução da juventude.

Segurança pública é, sem trocadilho, caso de polícia. Como costuma dizer o vulgo, sairá sangue se espremermos um jornal de qualquer cidade brasileira. Enquanto isso, ganha corpo a estúpida ideia de que é preciso draconizar e aumentar as penas, nessa idiotice incluída a pretensão de reduzir a maioridade penal.

Não posso falar da saúde pública porque ela simplesmente não existe. Mulheres estão parindo em baldes, enquanto o Supremo Tribunal Federal, por via da caneta da ministra Rosa Weber, nega a uma cidadã o direito de interromper uma gravidez de quatro semanas. Sua Excelência não conseguiu proibir, entretanto, que milhares de brasileiras abortassem pela singela razão de terem contraído sífilis.

Com esse quadro e com o voraz apetite tributário dos governos, não duvido de que voltem a encenar aquela palhaçada da ditadura, relançando a campanha do “ouro para o bem do Brasil”. Sempre haverá débeis mentais.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

Veja também
Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *