O rei está nu e desembargador se masturba

O conto do dinamarquês Hans Christian Andersen é de 1837. Chegou até nós, traduzido em todos os idiomas, como “A roupa nova do rei”. Um alfaiate vigarista prometeu vestir o rei com esplendor inigualável. Pediu muito ouro e joias como matéria-prima. “Vestiu” o rei e disse que a roupa só seria visível aos fieis e inteligentes. O monarca resolveu desfilar nas ruas para testar os súditos. Foi muito aplaudido, até que uma criança, em sua inocência, gritou: “O rei está nu”.

Há um axioma, dos corredores do Judiciário, segundo o qual “juiz acha que é Deus e desembargador tem certeza”. Talvez isso explique a surpresa que tomou conta do Amazonas, com o vídeo em que um desembargador aparece se masturbando.

Sabe-se agora que houve uma chantagem prévia. Ou ele pagava ou o vídeo seria publicado. Ele recusou e os primeiros a receber as imagens foram esposa e filha dele.

Crueldade, preconceito, cumplicidade, ingenuidade, armadilha… Seja o que tenha visitado a origem desse caso, a síntese mostra um pedaço da alma da sociedade.

Magistrado, na filosofia do Direito, deve decidir de acordo com seu “livre convencimento”. A maioria defende que ele “não se deixe influenciar pelo clamor popular”. Ou seja, mesmo que toda a sociedade defenda uma posição, ele deve decidir
com sua consciência e jamais “jogar para a plateia”.

A “caixinha” do “como deve ser o juiz” permite que decisões estapafúrdias sejam justificadas por um “decidi com minha consciência”. E haja assaltante e assassino solto para assaltar e matar na semana seguinte à prisão.

O magistrado, pelo que parece revelar a repercussão do vídeo, não pode ter sentimentos humanos. Masturbação? Ainda mais na terceira idade? Isso pode?

O episódio lembra o caso em que, separada e vivendo com namorado novo, a socialite indaga, quando a filha da amiga anuncia que vai dormir com o namoradinho: “E já pode isso?” Ficou tão indignada, mergulhada nos próprios preconceitos, que esqueceu que todos podiam dizer isso, menos ela.

A verdade é que se joga um vale-tudo onde prevalece o interesse individual. A sociedade vai se decompondo, justamente porque os papéis estão aviltados.
Não é o magistrado que se julga Deus. É a sociedade que o trata como tal.

A posição, como se vê, tem seus percalços. O Executivo e o Judiciário estão na alça de mira da população. O ministro Gilmar Mendes, “saudado” com palavrões no estádio do Pacaembu, parece inaugurar a chegada do Judiciário à berlinda.

Há juízes e juízes. Assim como há Neymar e há Coalhada.

O ser humano, concebido à perfeição, não é uma bricolagem. Não se submete, na essência, à sanha de Jack o Estripador. Não pode ser dividido em partes.

Os sentimentos – e os defeitos – humanos estão presentes no gari e no professor, no jardineiro e no engenheiro, no lavrador e no juiz.

Há inúmeros exemplos de magistrados praticando atividades “humanas”. O próprio presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), Flávio Pascarelli, dedica parte do tempo a compor sambas com o genial Paulo Onça. O juiz Marco Antonio Costa é especialista em MAC OS e IOS. O juiz Cid da Veiga Soares, o magistrado de Autazes, campeão em decisões este ano, é exímio pescador esportivo. E por aí vai.

Endeusar quem ocupa posições superiores cria o paraíso dos baba-ovos. São eles que tiram proveito da proximidade e faturam com os poderosos. A roupa do rei, para eles, é sempre linda. E as ruas vão esburacando, a economia afundando e as oportunidades passando.

Jorge Lins resolveu os problemas em casa. Isso é o mais importante. Agora é viver a vida com a liberdade de quem viveu os “15 minutos de fama” do Andy Warhol moderno, a Internet, onde a perversidade se acha capaz do anonimato.

Espera-se que magistrado e magistratura saiam desse episódio mais humanos. “A nova roupa do rei” desmascara a hipocrisia coletiva. Se o rei está nu e o magistrado se masturba por que a falsidade?

A história ainda não terminou. Tomara que termine com punições, transparência e uma sociedade melhor.

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4 comentários

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  1. Britanie Morey disse:

    Parabéns, excelente texto!

  2. Alberto Jorge Rodrigues da Silva disse:

    Minha total e irrestrita solidariedade ao meu amigo Desembargador Jorge Lins por esse ato covarde e criminoso, que expôs sua intimidade.
    É inadmissível esse tipo de atitude criminosa de expor a intimidade das pessoas.
    Penso que a divulgação de vídeos gravados, na intimidade de uma relação, é um ato que deveria ser repudiado por toda sociedade.
    Da mesma forma que é condenável a atitude daqueles que, de forma sensacionalista e criminosa, propagam os vídeos íntimos em suas redes sociais.
    Uma autoridade, de qualquer um dos três poderes, são pessoas que possuem o direito de vivenciarem suas intimidades sexuais como bem lhes convém.
    O ato em questão é de fórum íntimo e nada tem a ver com a vida profissional do Desembargador, que até prova em contrário, é um bom magistrado, correto em seu mister.
    Que tempos, que dias.
    Ainda que estando em pleno Século XXI, há quem se paute nos pruridos sexuais da época vitoriana.
    Meu amigo Jorge Lins viva a sua vida, principalmente sua sexualidade, livre de preconceitos, amarras, tabus e moralismos baratos. Muitos mais novos em idade que você, há muito já perderam o vigor sexual e de certo gostariam de ter sua virilidade.
    Um forte e fraterno abraço.
    Alberto Jorge Silva.

  3. Acima de tudo está a atitude de quem não se deixou chantagear e assumiu o que fez. Só ele o faz?

  4. lucas medeiors pimentel disse:

    É preciso enforcar o ultimo magistrado com as tripas do ultimo politico safado a relacao total de prostituicao entre o lesgislativo,executivo e judiciario todos eles so pensam em ferra o cidadao brasileiro e inadmisivel que um ministro do STF ganhe R$39.000 de salario isso e uma afronta