Dia da Pátria

Como resulta óbvio, o texto abaixo foi escrito na semana passada, tendo sido protelada sua publicação em virtude do surgimento de assunto mais urgente. De qualquer sorte, ele segue do jeito como veio ao mundo.

Sento para escrever a coluna semanal e me dou conta de que é o Dia da Pátria. Pátria que eu sempre amei, como estou cansado de dizer. Devo, pois, prestar-lhe as homenagens a que faz jus. E aí empaco. Como fazê-lo, sem descambar para a patriotada ingênua ou para o ufanismo tolo? Penso também: será que o momento é de efusivas manifestações homenageantes, estando a Pátria visivelmente lesionada e submetida a cuidados na UTI do civismo? A dúvida é atroz porque o mínimo de bom senso indica que, diante de um quadro patológico, havemos de demonstrar, pelo menos, respeito e solidariedade ao enfermo. Mantendo sempre, é claro, a esperança de que os recursos da ciência sejam suficientes e eficazes para devolver a saúde ao paciente.

Por que assim ficaste, Pátria minha? Talvez porque aqui e ali, de forma expressa ou subliminar, vem à tona o “complexo de vira-lata”, por via do qual muitos dos teus filhos incidem numa autodepreciação escandalosa, considerando-te o rebotalho da humanidade. São expressões do tipo “jeitinho brasileiro” ou “isto é Brasil”, que ferem fundo o orgulho nacional, assim como se fôssemos o país da bandalha, onde tudo se faz e se consegue por meios escusos, sem nenhum respeito e descaradamente. Ou talvez porque esse sentimento deplorável não seja uma causa em si mesma, mas simples efeito desta verdade que não se contesta: as atitudes de grandes figurões da República são mais do que generosas no fornecimento de subsídios para embasar essa postura negativista, com a qual nada ganhamos e tudo perdemos, inclusive o autorrespeito.

Seja qual for a origem da doença, o certo é que ela te atingiu em cheio, minha Pátria, e já não há tempo para meias medidas ou protelações: além do uso constante da medicação cívica, urge a adoção de severas providências profiláticas, ao fito de evitar a recidiva. Sei que era difícil permanecer incólume, diante de tanta agressão. Assaltaram teus cofres sem nenhum resquício de pudor. Primeiro foi um presidente populista e demagogo que, empunhando a bandeira da igualdade social, enriqueceu da noite para o dia, ao mesmo tempo em que enganava o povo com um sistema cretino de cotas e bolsas. Depois, uma senhora ridícula propunha a estocagem de vento, como forma de equilibrar a economia nacional, enquanto as estatais desandavam em orgias inacreditáveis, fazendo a fortuna de meia dúzia de gatunos.

Odebrecht e JBS são apenas os nomes de dois dos bacilos que causaram e epidemia de ladroagem. E que epidemia! Alastrou-se sem dó nem piedade, numa onda avassaladora de episódios deprimentes, durante os quais viram-se senadores e deputados envolvidos com os amigos do alheio, da forma mais prostibular que se possa imaginar, numa demonstração explícita de promiscuidade até então impensável. No meio disso tudo, estavas tu, pobre Pátria, a deixar teus flancos abertos para a ação deletéria daqueles que nunca te respeitaram, porque contigo nunca tiveram compromisso.

Mas, cuidado com os métodos usados no processo de recuperação. São enganadoras as mensagens dos “salvadores” que, a qualquer custo, propõem a cura milagrosa. Para curar, não é preciso desrespeitar as leis, jogando para escanteio as garantias constitucionais, cuja conquista tanto sacrifício nos custaram. Nada disso. Quando não se respeita a presunção de inocência, ao argumento de que é necessária uma resposta urgente, troca-se apenas um mal por outro, sendo certo que o substitutivo é muito mais maléfico que o original.

Lembra, por favor, Pátria minha, que já existem até insanos, os quais, dizendo-se preocupados com a enfermidade que te devasta, sonham com a volta da ditadura militar. T’arrenego. De todos os males que te possam acometer, nenhum, absolutamente nenhum, pode ser mais grave ou pior do que o rompimento da normalidade constitucional, com todas as suas inevitáveis consequências: perda da liberdade, censura, tortura e morte pura e simples, pelo singelo crime de pensar.

Estou do teu lado, minha Pátria. A minha insignificância em nada soma para que consigas o bem-estar almejado. Mas, acredita: é sincero meu amor por ti. Não será ele abalado por quadrilhas ou salvadores. Muito ao contrário, ele se alimenta sempre daquele desejo te ver exaltada como mereces, não apenas quando a seleção de futebol entra em campo, mas sempre e sempre, à guarda do “auriverde pendão da minha terra”. Grande Brasil! Parabéns.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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