O cordão dos puxa sacos

Em meados do século passado, a irreverência carioca deu à luz uma deliciosa marchinha de carnaval, desancando as práticas políticas da época, com foco especial para a bajulação.

Eram assim os versos de início: “Lá vem o cordão dos puxa sacos/ Dando vivas aos seus maiorais/ Quem é da frente vai passando para trás/ E o cordão dos puxa sacos cada vez aumenta mais”.

São multifacetadas as formas de praticar a nobre arte de que se cuida. Tudo vai depender da criatividade do bajulador, de um lado, e, de outro, do grau de importância da figura que ele queira, digamos, homenagear.

Por exemplo: indagado pelo patrão sobre que horas eram, o lambaio não desperdiçou a oportunidade e a resposta veio imediata, cristalina e de forma a não deixar qualquer dúvida sobre a lealdade: “A hora que o senhor quiser, meu chefe”.

Outra que me vem à lembrança. O Banco do Brasil funcionava na avenida Sete de Setembro, num prédio com térreo e mais dois andares, sendo que no último estava instalada a gerência. Um inspetor – e os inspetores eram quase semideuses – terminou uma entrevista com o gerente e postou-se à espera do elevador. Um contínuo, conhecidíssimo pelo seu refinamento no assunto –, segurou carinhosamente a maçaneta. Quando o homem chegou ao térreo, perguntou a quem lhe abriu a porta: “O senhor tem um irmão gêmeo trabalhando aqui?”. “Não, senhor. Fui eu mesmo que abri a porta lá em cima e vim pelas escadas para receber Vossa Excelência aqui embaixo”.

As coisas, parece, não mudaram muito. No âmbito do Legislativo, já tivemos um exemplo que conseguiu a união perfeita entre a inutilidade e a mais requintada bajulação. Eis senão que um deputado, talvez ainda não satisfeito com a quantidade de dias comemorativos que infestam nosso calendário, apresenta projeto de lei, destinado, por certo, a promover uma revolução nos meios político-econômicos deste grande Estado.

A propositura busca criar o “Dia do Governador”. Estamos salvos. Suas Excelências terão um dia inteiramente dedicado à intensa atividade de receber manifestações de apreço e dedicação daqueles “fiéis seguidores”.

Se essa moda pegar, chega a causar preocupação a possibilidade de ser ela estendida para o âmbito municipal. Com uma quantidade inacreditável de municípios, cada um com seu respectivo chefe do executivo, o país teria que repensar sua estrutura política para comemorar condignamente o “Dia do Prefeito”, a ser eventualmente instituído. O que, em acontecendo, haverá de dar lugar para uma série de outras datas do mesmo padrão, vindo-me à lembrança, assim como a voo de pássaro, o “Dia do Ministro”, o “Dia do Desembargador” e o “Dia do Juiz”.

Aliás, o crescente desvio de finalidade da atividade parlamentar, gerando leis inúteis, já foi objeto de comentário deste escriba, nestes termos: “Agora mesmo o Congresso Nacional se vê às voltas com questão de vital transcendência. Cogita-se da apresentação de uma proposta de emenda constitucional, uma das famosas PECs, no sentido de que a Carta Magna seja encimada pela expressão: “Todo poder emana de Deus”. Deu para sentir a influência dos assessores do faraó Ramsés, trabalhando em conjunto com os áulicos do rei Luís XIV? Não tenho nada contra a crença de ninguém, tanto que preservo meu inalienável direito de não crer. Mas vamos convir que a ideia é, no mínimo, uma agressão à História Universal.

Deixando de lado a religião pura e simples e adentrando seu aspecto folclórico, vamos ficar sabendo que o deputado Aldo Rebelo (esse que é ministro) e a deputada Ângela Gudagnin (aquela gordinha que dançou no plenário da Câmara) uniram suas forças e apresentaram projeto de lei que tinha tudo para melhorar a vida dos brasileiros, do Oiapoque ao Chuí. Buscava-se instituir o dia 31 de outubro como o “Dia do Saci”. Não sei o que é mais evidente, se a falta de uma perna do Saci-pererê, ou a de cérebro nos dois pais da Pátria.

Mas, voltando aos puxa-sacos, tenho, por uma questão de lealdade, que transcrever o restante da tal marchinha: “Vossa Excelência, Vossa Eminência/ Quanta reverência nos cordões eleitorais/ Mas se o doutor cai do galho e vai ao chão/ A turma toda vai mudar de opinião/ E o cordão dos puxa sacos cada vez aumenta mais”.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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