Distritão, inimigo da nação

A quem interessa uma reforma política que nasce deformada, que traz, na sua essência, uma regra em que o mandato tem como dono um indivíduo compromissado apenas com os seus próprios interesses?

O que deveria nascer como uma solução final para colocar fim aos males sofridos pela população brasileira está sendo produzida com anomalias profundas, dotada de uma fórmula que revoga o conceito de representação coletiva, favorece o fisiologismo e aprofunda o descrédito da sociedade no regime representativo.

O Congresso perde a oportunidade de estabelecer um ponto de partida visando a restauração da necessária confiança popular na classe política, desde que feita em profundidade, sob a efetiva supervisão da sociedade civil e, sobremaneira, levando em conta sua natureza plural e que necessita, por isso mesmo, de partidos políticos fortes, verdadeiros e comprometidos. Uma reforma de qualidade exige o compromisso de fazer refletir, no debate, o querer do proprietário e destinatário final do processo eleitoral. Não sendo observadas estas premissas, tudo não passará de mero remendo eleitoreiro.

Somente assim, poderíamos conferir respeitabilidade e confiança ao processo legislativo e aos próprios parlamentares, que pretendem a sua atabalhoada aprovação. Deveriam estudar com mais cuidado esse projeto de reforma política, principalmente no tocante à forma como o sufrágio será exercido. É preciso que o eleitor confie no eleito, que saiba que elegeu pessoa comprometida com determinadas ideias e propósitos, sem traição. Nada disso é possível quando se valida a individualização do mandato ou o vaivém de políticos e siglas viciados, decepcionando o eleitor.

A experiência democrática nos ensina a compreender que o processo eleitoral, em todos os modelos governamentais do planeta, é atividade primordial ao exercício da soberania popular. Exatamente por isso não contribui para o aprimoramento da representação política uma regra esdrúxula, em que o mandato tem como dono um indivíduo apenas compromissado com os seus próprios interesses.

A reforma política deveria servir de imprescindível ferramenta de interpretação permanente da legislação eleitoral, adequando-a às novas e crescentes demandas sociais. A sua virtude estaria, assim, na possibilidade de se contribuir para a modernização do próprio processo político, ajudando a suplantar o velho patrimonialismo brasileiro.

Por isso mesmo, devemos apontar propostas que concebam um sistema que minore as mazelas do atual quadro partidário, pois, não obstante sua pluralidade formal, o parlamento brasileiro enfrenta a maior crise de representatividade de sua história. Esse “Distritão” é um sistema antidemocrático que traz notáveis prejuízos às minorias, de acordo com especialistas, que apontam exemplos negativos de países que experimentaram tal grosseira fórmula.

Nunca essa “proposta salvadora” para a crise política vai dar certo. É grande a possibilidade da perpetuação dos mandatos dos atuais parlamentares. A “proposta miraculosa” transforma em majoritárias as eleições proporcionais, privilegiando quem detém mandato, promovendo a ostentação econômica, mantendo os graves problemas nacionais e estuprando de vez a democracia e o estado de direito, pois legislam a causa própria.

O parlamento precisa pensar mais nas próximas gerações do que nas próximas eleições. Sobretudo neste momento histórico, de necessária retomada da democracia, que Otávio Mangabeira comparava a uma “plantinha frágil e tenra”, a exigir cuidados permanentes e olhos vigilantes.

 

Augusto Bernardo Cecílio

Augusto Bernardo Cecílio

* Auditor fiscal da Sefaz, coordena o Programa de Educação Fiscal no Amazonas.

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