A gastronomia amazonense pede socorro

A gastronomia vem, cada vez mais, ganhando destaque no cenário nacional. No turismo, mundo afora, isso é uma realidade que atravessa os séculos. Até os Estados Unidos, cuja aptidão gastronômica sempre foi muito criticada, principalmente devido ao gosto pelo fast food, vai aos poucos se dobrando à invasão dos grandes chefs europeus e aderindo ao slow food.

O que significa gastronomia na mentalidade amazonense? Que peso esse segmento econômico tem na vida socioeconômica desta capital? Manaus, cidade com 2,5 milhões de habitantes, sem esforço nenhum consegue cultivar uma peculiar culinária regional, mas não consegue transformar esse potencial em alta gastronomia, o que significa utilizar ao máximo os ingredientes disponíveis nas indústrias da alimentação e do turismo.

Estruturar a gastronomia local é uma tarefa que ninguém assume. Por mais que o cenário já esteja montado e a procura pela chamada “gastronomia amazônica” esteja presente, falta um trabalho sistemático que lhe dê cara, nomes, tradição.

Em qualquer lugar do mundo a gastronomia alia o nome do restaurante com o de um chef, um completando o outro, como marido e mulher. O empresário amazonense se mostra reticente ou tem dificuldade de entender esse jogo de marketing. O público pede por isso. As pessoas querem associar qualidade a um nome, personificar a qualidade de um restaurante.

O único lugar que ensaia se tornar uma exceção é o restaurante Banzeiro, onde o chef Felipe Schaedler ganha destaque na mídia local e vai construindo seu espaço, enquanto associa a culinária tradicional do Amazonas a ingredientes exóticos.

Dar “cara” ao restaurante é construir a base para fundamentar a gastronomia e responder às inúmeras perguntas de pesquisadores, jornalistas, gourmets e curiosos em geral. Por exemplo, qual a principal característica da culinária amazonense? Ninguém sabe ou quer responder.

Fundamentar a gastronomia regional é dar uma base para o turismo e tudo o que o cerca. É dar vazão ao clamor por produtos de qualidade, por higiene no ambiente de trabalho. Dar orgulho ao funcionário que, apesar da jornada árdua, pode começar a ganhar reconhecimento pelo trabalho.

Parece fácil, mas não é. Gastronomia não existe sem vinho (espumante, branco, rosê, fortificado, tinto) e o turismo não anda sem essa combinação. O Amazonas, por absoluta falta de cultura, interesse, formação cosmopolita ou mesmo espírito público de seus governantes, cobra as taxas de impostos mais altos do mundo pelo vinho, chegando a absurdos 75%.

Isso, o imposto absurdo do vinho, mais o valor do frete dos centros distribuidores, principalmente São Paulo, fez com que os enófilos passassem a comprar o produto diretamente dos fornecedores, deixando à mingua o esforçado, mas ainda incipiente, comércio local do produto.

A consequência, no médio prazo, é que a venda de vinho em balcão de Manaus definhe ou até deixe de existir. Isso arrastará a gastronomia para o mercado informal, acabando com aquilo que o governo pretendia ter – o imposto.

Esse é só um obstáculo. O principal é lutar por uma “cara” da gastronomia local. Sem confundir, claro, chef com cozinheiro. O primeiro tem formação acadêmica, conhece os molhos básicos, sabe conduzir um cardápio para caracterizar uma casa e fidelizar o cliente, enquanto aquele, o cozinheiro, executa aquilo que foi planejado pelo chef.

Existe exemplo bem perto do Amazonas. O Peru, na fronteira ao lado, espalha pelo mundo a qualidade técnica e o talento de chefs como Gastón Acurio, do restaurante Astrid y Gaston, que colocou a culinária peruana no mapa gastronômico mundial. Ele logo foi superado pelo chef Virgilio Martínez Véliz, do Central, à frente de Gastón em todas as listas dos melhores restaurantes da América Latina. O que ele fez? Criou um cardápio baseado nos produtos das diversas altitudes peruanas.

Tanto o Astrid y Gaston quanto o Central têm laboratórios de gastronomia, com escolas de formação de seguidores dos seus líderes. Ambos são mais concorridos, em Lima, capital do Peru, que a filial local da famosa escola francesa Le Cordon Bleu.

O Amazonas precisa ter chefs assim. Escolas com tal alcance. Empreendedores capazes de ousadias dessa envergadura. O Governo precisa ser empurrado para ajudar.

A gastronomia amazonense vai andar. Só precisa acelerar o passo.

Breno Rudá

Breno Rudá

* Breno Rudá é gastrônomo formado pelo Senac, Campus Águas de São Pedro (SP), e docente de hospit...

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1 comentário

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  1. É importante a discutir sobre nossa gastronomia e gostaria de fazer minhas observações como chefe e cozinheiro que sou. Acho que os cozinheiros e principalmente os chefes (agora aqui todo mundo é chefe, basta abrir uma pastelaria e se intitular chefe nessas pseudos feiras existentes para se tornar um e no entanto para ser um CHEFE antes tem que ser auxilar, cozinheiro, sub chefe até se tornar um chefe para trabalhar com os ingredientes e deles tirar o melhor para a realização de um novo prato. Quando cheguei aqui em 2009 para chefiar o Amazon Jungle Palace onde já havia passado por Belém e chefiado a cozinha do Amazon Beer percebi que havia uma resistência enorme nos cozinheiros em experimentar novas técnicas e na utilização dos nossos produtos, digo nosso, porque sou encantado pelos produtos daqui, antes de qualquer outro chefe ter feiro experimentei a cuscuz da farinha ouvinha do uarini e o pesto de jambú, algo nunca feito aqui e vários molhos com tucumã, pupunha, cumapu (phisalis), mangarataia (gengibre), rambutam (lichia)…enfim me encantei e parti para as experiencias com resultados maravilhosos.No decorrer desse tempo notei que não havia unidade entre os chefes e cada um querendo mostrar seu ego mais que seu conhecimento, apesar de conhecer ótimos chefes aqui e sem duvida criativos, mas perdidos na falta da unidade e na expectativa de juntos descobrirem o novo, foi o que fez o chefe citado, mas de uma forma individualista e sem passar o conhecimento aos outros, querendo apenas o mérito para si próprio e que não vai levar a lugar nenhum. Nossas escolas não são preparadas para nossa gastronomia e apenas ficam em invencionices bizarras, falta equipamentos e professores que tenham vontade para o experimento sem medo do erro.Sinto e tenho certeza que antes de mostrarmos nossa gastronomia para o mundo devemos conquistar nossa gente daqui e a partir deles partirmos para voos mais altos, senão ficaremos eternamente no individualismos e cada um querendo ser melhor que o outro, seja pq sou amigo de tal e tal chefe, e nunca chegaremos a lugar nenhum. Precisamos dessa reflexão e da união sem os egos mais inflamados que a chama do fogão, precisamos de realmente chefes que estudem, invistam no conhecimento e realizem uma gastronomia com a personalidade que a nossa merece.
    Sds