A violência no Brasil

Felix Valois

O texto abaixo foi publicado originalmente em 2012. Na meia década que se passou desde então, se alguma coisa mudou no assunto por ele abordado, foi para pior. No Rio de Janeiro, onde me encontro agora, o porteiro do edifício me relata cenas de verdadeiro terror urbano, ocorridas aqui mesmo na linda Copacabana. Vai daí que resolvi voltar ao tema. Eis o texto:

Quando, ao final da segunda grande guerra, em 1945, os Estados Unidos cometeram os genocídios em Hiroshima e Nagasaki, morreram, segundo as estatísticas oficiais, 340 mil pessoas. Brutal, mas comparado com o que tem acontecido no Brasil, em pleno tempo de paz, parece trecho de uma canção de ninar.

Na primeira década deste século, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE divulgou uma pesquisa intitulada Síntese de Indicadores Sociais. Por ela ficamos sabendo que em vinte anos, de 1980 a 2000, cerca de 600 mil brasileiros foram assassinados e que a taxa de homicídios subiu 130%. Só na década de 90, 369.101 compatriotas foram vítimas desse crime, superando, portanto, o número de mortos registrado na tragédia japonesa.

O demógrafo Celso Simões, que foi um dos coordenadores da pesquisa, não perdoa e aborda a questão de forma direta: “Todo o problema se concentra na falta de perspectiva da população jovem de 15 a 24 anos. Eles não têm emprego e a evasão escolar é alta nesta faixa etária. Estão soltos no mundo, disponíveis para serem arregimentados pela marginalidade. O Rio de Janeiro é uma fronteira aberta”.

Foi uma voz oficial que se levantou para proclamar a evidência que tantas e tantas vezes tenho ressaltado na minha humildade provinciana: o crime e todo o seu entorno não são um problema jurídico exclusivamente jurídico e não vai ser através de leis estúpidas e draconianas que conseguiremos combatê-los.

Dou apenas um exemplo: em 1990 surgiu a lei 8072, a tal que criou, sem lhes definir o conceito, os crimes hediondos. Balaio sem tampa, no qual foram sendo depositados crimes pela simples variação de humor do legislador ou pelos interesses da mídia, esse instrumento legal era eivado de inconstitucionalidades e violências, como no caso da obrigação de o condenado a pena privativa de liberdade cumpri-la integralmente em regime fechado. Tamanha deturpação só muito tempo depois encontrou freio no Supremo Tribunal Federal, que lhe declarou a inconstitucionalidade e assim mesmo por estreita maioria de votos.

Todavia, a hedionda lei, brutalmente implacável, não impediu que, das duas décadas objeto da pesquisa, tenha sido precisamente na de 90 que se registraram dois terços dos homicídios detectados.

Vale ouvir novamente a lucidez do doutor Celso Simões: “Conseguimos diminuir a mortalidade infantil para nossos jovens começarem a morrer de maneira estúpida. Essa violência é um fenômeno que vem crescendo, principalmente na década de 90, e coincide com a própria crise econômica. Altas taxas de desemprego estão associadas a altas taxas de violência”.

Parece o óbvio e até acredito que o seja. Mas foi um tapa na cara dos adeptos desse sórdido movimento intitulado “Lei e Ordem”, que proclama, a partir de um ideário norte-americano (de onde mais?), a necessidade de leis mais rígidas como forma primacial de combater a criminalidade.

A pesquisa, entretanto, cujos resultados só nos encheram de vergonha, parece não ter servido pelo menos para despertar a consciência dos governantes para a evidência destacada pelo mesmo doutor Simões: “É preciso uma política pública objetiva de inserção dos jovens no mercado de trabalho e na educação”. E assim o digo porque, passada outra década, o índice de violência não diminuiu e os homicídios continuam a ocupar os estatísticos com taxas cada vez mais elevadas.

As escandalosas operações policiais, tão a gosto dos oportunistas e que atingiram seu auge por volta do ano de 2005, só serviram mesmo para reativar o conhecimento de espécies zoológicas ou para destacar as virtudes de bíblicos e lendários personagens. Ou, quando muito, para satisfazer os egos inflados de alguns agentes públicos.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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