Vó Virgínia, Tia Mariquinha, Zeca Xibelão e dona Maria do tacacá para ajudar a entender Parintins

Dona Maria e a Festa do Carmo estão entre as tradições parintinenses, que sejam feitas de indivíduos ou de multidões, estão sempre presentes

A formação do povo de Parintins, responsável pelo Festival Folclórico de Caprichoso e Garantido e pela Festa do Carmo, que acaba de surpreender pelo público espetacular, é sempre motivo de polêmica. Sabe-se pouco, mas alguns personagens estão na raiz dessa gente, pelo caráter emblemático e as lições que deixaram.

Tia Mariquinha, mãe de Zeca Xibelão, o tuxaua do Caprichoso que dá nome ao curral do bumbá, foi das primeiras tacacazeiras da cidade. A banca dela, na Rio Branco, tinha um mix de guloseimas onde o bolo de macaxeira marcou a memória gustativa da garotada da época. E deve explicar parte daquela energia que impulsionava o papagaio, a manja, o banho de rio e o futebol cotidianos.

Xibelão, história amplamente divulgada, imprimiu um jeito tão peculiar à dança do tuxaua que nunca mais será esquecido.

A primeira tacacazeira ainda não havia partido e dona Maria, da esquina do Colégio Brandão de Amorim (avenida Amazonas com Gomes de Castro), começou a montar a banquinha dela. Conte-se aí meados da década de 1970 e veremos que lá se vão mais de 40 anos até a triste notícia desta segunda (17/07): dona Maria partiu.

O que fez ela, tacacazeira, de tão especial? Pergunte aos milhares de parintinenses adotivos, que registraram nas redes sociais o quanto dona Maria tornou seu tacacá sinônimo de Parintins. Como? Com persistência. Todos os dias, alta ou baixa temporada, lá estavam as mesas, as cadeiras e o tacacá, goma, tucupi, jambu, camarão seco e salgado, cheiro-verde e cebola sempre no ponto.

Dona Maria é um símbolo de como se constroem as tradições. A banquinha dela foi uma lição de marketing: o tacacá era sempre o mesmo e fazia quem o provava sair pelas esquinas do mundo à procura de outro igual.

Tia Mariquinha? Sim, meu pai também foi “filho” da Preta Virgínia, minha querida avó, que o levou para casa quando, aos cinco anos, o pequeno Caiá se viu órfão. A mãe falecera e o pai se embrenhou no mato, em busca da própria sobrevivência.

Virgínia, que deu seu nome a uma prima querida, ainda morando em Parintins, adotou várias crianças e imprimiu nelas a força de um caráter reto, sem mácula, que a transformou em conselheira da cidade. “Ela era quase um padre”, recorda minha mãe, aos 97 anos. “Todos iam pedir conselhos dela”.

A “preta”, como o politicamente correto da época permitia tratar, criou e casou oito filhas. Com ela não tinha essa conversa de namoro atravessado. Minhas “tias” foram incorporadas à família. E o caráter da matriarca foi inscrito no DNA de cada um dos filhos, biológicos ou adotivos.

Dona Maria, a pranteada tacacazeira, é parte dessa tradição de gente humilde, que vai em frente e segura o rojão, como dizia Gonzaguinha. É daí que nasce e cresce o parintinense, cioso das tradições e disposto a um sacrifício a mais pela história de seu povo.

Vá em paz, dona Maria. Deixe um pouco desse tacacá que tia Mariquinha preparou para recebê-la. Será uma alegria reparti-lo numa roda com papai e vovó Nega Virgínia. E, se não for demais, preparem as duas uma sucessora. Rapidinho. A tradição de melhor cuia do Norte precisa continuar.

Veja também
6 comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Xico Branco disse:

    Belo texto! E uma boa oportunidade para muitos entenderem como esse tacacá tem por trás um simbolismo pra vida e pra história de Parintins, pelas mãos de D. Maria.

  2. Mercinha Marinho disse:

    Excelente texto, Marcos Santos!

  3. Francisco Santos da Silva disse:

    A leitura do portal do Marcão, como o trato, é uma necessidade diária, não apenas para os parintinenses radicados em Manaus, mas para todos os amazonenses que apreciam a boa leitura, lá e aqui, certamente. Um manancial para os profissionais mais experientes e, claro, uma fonte de conhecimento para os neófitos. Acessem!!

  4. José Roque Nunes Marques disse:

    Belíssimo e emocionado registro da história de dona Maria, Marquinha e Virgínia – mulheres de fibra e caráter!

  5. Paulo Lobato Teixeira disse:

    Essa maneira poética de falar e de cantar a nossa terra e a nossa gente – que o Marcos Santos faz com muito sentimento e de forma talentosa -, já era dominada pelos gregos desde Homero, como se vê na Odisseia e na Iliada.
    Parabéns, Marcos. Continue nos presenteando com seu belo trabalho.

  6. Alexis Uchôa disse:

    A Vida ! Chega o Dia da despedida, uma lenda que se foi, agora permancera na memoria do Povo de Parintins e do Amazonas. DEUS ilumine o caminho dela na vida eterna. Ass : Alexis Uchôa