A condenação de Lula

Felix Valois

Não me inscrevi na fileira dos que soltaram fogos com a notícia da condenação do ex-presidente Lula a nove anos e meio de cadeia. Não que eu tenha passado a nutrir qualquer tipo de simpatia ou comiseração pela figura. Longe disso. Para mim, Lula ainda é a personagem mais nefasta que a República já conheceu, desde o golpe militar de Deodoro. Com ele e sua trupe, a bandalha e os desmandos financeiros ganharam foros institucionais, erguendo-se a patamares “nunca antes vistos na história deste país”. Não quer isso dizer, entretanto, que sua condenação possa se transformar em motivo de alegria para algum brasileiro, em virtude de razões que vão desde ponderações históricas até a análise da necessidade e da utilidade da pena imposta.

Tenho que reconhecer, é verdade, que minha inata vocação libertária se insurge contra qualquer forma de repressão. Mas não é só isso. As próprias condições em que se tem dado o desenvolvimento dos processos judiciais contra pessoas da política não são favoráveis a que se reconheça a isenção necessária para esse tipo de procedimento. Sendo advogado, cometeria eu indesculpável leviandade se me pusesse agora a tecer comentários sobre o feito específico de que resultou a condenação. É que não conheço os autos respectivos, o que, e também, me impede de estabelecer juízo de valor sobre a correção e justeza da decisão judicial. Sei que o acusado teve o patrocínio de um dos melhores advogados criminalistas do país, o que se traduz em segurança de impecável defesa técnica. Mas sei, igualmente, que a autoridade que proferiu a condenação se deixou envolver por uma onda publicitária em nada compatível com a austeridade que deve estar presente nas decisões desse tipo. Para quem busca holofotes, não pode haver algum de maior esplendor do que a expectativa de passar à história como tendo sido o primeiro a proferir sentença condenatória contra um ex-presidente.

Mas, e este é o ponto que, na verdade, me interessa, o que ganha o Brasil com a condenação de que se cuida? Dir-me-ão os mais empolgados com a onda repressiva que sobre nós se abateu: ganha a certeza de que os tempos de impunidade ficaram para trás. Será que é isso mesmo? Será que isso é verdade, ou apenas um chavão repetido à saciedade por uma imprensa ávida pelo sensacionalismo? Vamos por parte, colocando as questões “modus in rebus”. Lecionei direito penal por mais de três décadas, tanto em instituições públicas quanto particulares. Sempre alertei meus alunos para um fato que me parece historicamente indiscutível, como aliás tenho dito repetidamente neste espaço: a pena de prisão é uma velharia insustentável, superada que está no tempo e no espaço. Explico-me como já o fiz das outras vezes: até meados do século 18, o direito penal só conhecia as sanções oriundas do direito medieval, todas elas corporais e cruéis, como era natural numa concepção jurídica altamente eivada de preconceitos religiosos. A tortura era aceita de bom grado e as penas corporais, da mutilação à morte por meio cruel, eram empregadas a mancheias. Depois que Beccaria deu à luz o opúsculo “Dos Delitos e das Penas” o cenário mudou e a prisão foi alçada à categoria de pena principal, o que, convenhamos, representou um salto qualitativo sobre o cenário anterior.

Muito que bem. Mas isso, minha gente, vai completar quase três séculos, ao longo dos quais a punição pelo cárcere não sofreu qualquer melhoria de monta, a ponto de hoje ser lugar comum a convicção de que as cadeias são escolas de especialização no crime, deixando em estado de superação a ingênua crença de que a prisão tem como objetivo a ressocialização do condenado.

Como punir, então, aqueles que, valendo-se do exercício de cargo público, enriqueceram ilicitamente? Não tenho o monopólio da verdade, nem me acredito com bagagem suficiente para dar resposta definitiva e conclusiva a questão de tamanha magnitude. Posso, por isso, apenas oferecer modesta sugestão à guisa de balão de ensaio. Que tal, numa primeira etapa, confiscar os bens do ladrão em quantidade suficiente para restaurar o estado anterior ao crime? Ao depois, obrigar o indigitado, à custa de seu próprio trabalho, entregar ao erário valor estabelecido no dobro ou no triplo do que foi conseguido ilicitamente. E, mais importante, encontrar mecanismos que impeçam definitivamente o criminoso de voltar à vida pública. No caso específico do Lula, seria de todo em todo conveniente uma pena acessória de frequência a um curso de língua portuguesa.

Nisso vejo utilidade e proporcionalidade, coisas que não consigo vislumbrar numa reles e vingativa entrega do réu à prisão. Mas quem sou eu para contrariar o refinado pensamento jurídico das elites. Apenas penso e sonho, atividades que, felizmente, ainda estão fora do alcance do apetite tributário dos governos. Tenho, entretanto, certeza de que Lula e os outros da sua estirpe sentiriam muito mais as penas que sugeri do que sentirão as prisões que lhes foram impostas. Até porque (vamos ser sinceros) elas dificilmente serão cumpridas.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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