Os próceres da República

Felix Valois

O texto abaixo é de autoria do doutor Mário Bezerra de Araújo, economista amazonense dos mais ilustres e com larga folha de serviços prestados à nossa sociedade. Mantive o mesmo título do original e fiz questão de transcrevê-lo na íntegra, dada sua oportunidade diante do momento político que vivemos. Fosse-me dado fazer uma observação, diria apenas que, apesar de verdadeiras as ponderações do autor, ainda acredito que o Brasil está acima de todas as mesquinharias relatadas e que o amor pela pátria nos há de fazer superar tantas e tão tristes intempéries. Eis o texto:

“Nos dias de hoje, quando vemos o descalabro que tomou conta do pais, me vêm à memoria coisas do passado, de quando eu era criança. Não é um passado remoto, pois se passaram apenas sete décadas, significando dizer que estamos eu e muitos brasileiros cumprindo a mesma geração.

Mas, naquela época, as coisas eram mais simples e, ao meu sentir, o tempo transcorria mais lentamente.

Menino do interior, nascido no meio rural, e ali criado até aos dez anos, de vivência modesta com sói ser o interiorano de parcas posses, prestava atenção a tudo o que ocorria ao meu redor, por absoluta falta do que fazer. Uma atenção especial era dada às conversas dos mais velhos quando, após o jantar, reuniam-se para trocar ideias diversas inclusive de politica. Éramos educados para não nos metermos na conversa de terceiros, principalmente nas dos mais velhos.

Diante disso, testemunhei muitas vezes aquelas pessoas se referirem a um deputado, um senador ou a um juiz, com um respeito absoluto como quem fazia uma oração, cada um elogiando à farta o seu preferido. Desse modo, comecei a crer que um político era um ser iluminado, intocável, ungido de todos as bendizências de que um homem jamais lograra ser possuidor. Quando se referiam ao governador ou ao presidente, a reverência era tanta que me forçavam a imaginar estarem tais figuras sentadas ao lado de deus. Era uma apoteose os epítetos com que designavam essa gente que, com certeza, esqueci de vários deles. Naturalmente cresci: criança, adolescente, adulto e agora velho, em descenso, sempre admirando e respeitando os probos personagens da politica brasileira .Ao longo do tempo, algumas exceções foram surgindo, mas assim é a regra.

Com o passar dos tempos, durante minha jornada de vida, fui assistindo a o cotidiano se transmudar celeremente; desenvolveu-se a tecnologia das comunicações e transportes numa velocidade nunca antes vista; em outras arestas da atividade humana também houve melhoras mais do que significativas. A mais estonteante, porém, foi a que aconteceu nos arraiais políticos e jurídicos. Nestes, apenas decepções, uma após a outra, e não vou além disso, porque sou laico no assunto. Deixo então que os juristas comentem.

Nos políticos estão à vista os desmandos, as falcatruas, os desgovernos e a corrupção que foram adotadas pela classe dirigente e seus sequazes. Evoluiu de raras exceções para a regra, haja vista que, atualmente, mais da metade da classe política se encontra envolvida em algum tipo de bandalheira. Neste imenso poço de mal feitos, alguns empresários dentre os mais ricos do nosso pais, estão também mergulhados até o pescoço. O desmoronamento dos valores morais e éticos está por terra, justamente por culpa das classes que deveriam, como foi no passado, servir de exemplo para o povo brasileiro, para a sustentação e fortalecimento de nossa democracia. Quem cooptou quem para tanta ignomínia?

Receio que não haja resposta, assim como não há resposta para quem surgiu primeiro, se o ovo ou a galinha.

Também mudou o tratamento aos políticos. E como mudou! O que eram palavras elogiosas e grandiloquentes do tipo “insigne”, “probos”, “suprassumo”, “excelentíssimo”, “estrela de primeira grandeza”, “defensores da democracia”, “guardiões da constituição” e tantos outras que se impunham quando   nos referíamos a essa gente, foram substituídas .

Agora, eles são tratados, e perdoem os pleonasmos, como “súcia de ladrões”, “camarilha de bandidos”, “quadrilha de marginais”, “bando de ordinários”, “cambada de patifes”, “matilha de vagabundos”, “chusma de mentirosos”, “corja de vendilhões da pátria”

Estão, por óbvio, fora da lista, os palavrões dos mais cabeludos imagináveis que certamente fariam corar o mais vil dos homens.

Infelizmente, estou vendo, coberto de indignação e vergonha, os acontecimentos escabrosos e, o que é pior, ouvindo mentiras escandalosas e desculpas esfarrapadas dos envolvidos na mais tenebrosa das patifarias de que se tem notícia no mundo. E essa gente ainda procura o judiciário em busca de ser inocentada.

Diante disso, resta-nos apenas esperar, com o mais dúctil fio de esperança, que voltemos anormalidade”.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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