Demissões em massa desestruturam a indústria da comunicação e resvalam no risco do improviso

Jornais são indústrias imensas, estruturadas a partir das gigantescas rotativas como essa

A transição tecnológica proporcionada pela Internet, com as várias aplicações em mídias sociais (blogs, portais, FaceBook etc), estão provocando uma série de mudanças na comunicação planetária. O ingrediente da crise, com repercussão profunda na arrecadação via publicidade (anúncios), tem agido como fermento nesse processo. Surgem, como resultado, as demissões em massa nas redações, especialmente na mais estruturada e organizada indústria do meio, os jornais. É aí que o improviso ameaça se impor.

Jornais têm raízes profundas. São estruturados a partir das máquinas rotativas. São corpos “básicos” gigantescos e torres para dobra, encadernação, cores etc. Elas têm tanta importância que as maiores publicações construíram prédios enormes para abrigá-las. Departamentos administrativo, comercial, recursos humanos e todos os outros, inclusive as redações, são dispostos nos arredores da “máquina” impressora.

Hoje, com o avanço das novas mídias, as tiragens foram diminuindo. Folha de S. Paulo e Estadão, os dois maiores jornais do Brasil, que chegaram a tiragens superiores a 1 milhão de exemplares/dia, especialmente aos domingos, despencaram para os arredores dos 300 mil, nos melhores dias.

As impressoras foram ficando subutilizadas, mas o chamado “custo de partida” se manteve. Os três principais jornais manauaras têm rotativas que gastam mais de mil exemplares, antes de ajustar as cores e atingir o nível de excelência requerido. E isso após muitos avanços industriais, que reduziram essas perdas.

Ainda não há, no mercado, uma experiência digital completa e competitiva, tipo as impressoras caseiras, para concorrer com as grandes rotativas de jornais e revistas de grandes tiragens.

A solução encontrada pelas empresas têm sido o corte de pessoal. A análise é rasa: demitem-se os jornalistas com os maiores salários, os tidos como “estrelas”, aqueles reconhecidos pelo mercado e que antes podiam se dar ao luxo de produzir menos, investindo na qualidade.

As redações vão, aos poucos, devido às demissões em massa (“passaralhos”, no jargão jornalístico), deixando de lado a outra ponta responsável pela excelência da indústria jornalística: a estruturação.

Blog ou portal consegue se manter vivo – embora sem ser competitivo e respirando por aparelhos – publicando uma ou duas minguadas notas diárias. O jornal tem que estar nas bancas todos os dias, com volume que justifique o preço de capa e dê sustentação aos anúncios.

Abro parênteses. Tive a honra – e trabalhei das 10h de sexta às 5h de sábado – de fechar sozinho, numa edição especial do Dia das Mães, mais de 40 páginas do “sanfona”, um caderno que crescia com a demanda dos anúncios em A Crítica. Fecho parênteses.

A estrutura que garante o conteúdo, na redação, passa pelas editorias (cidade, política, polícia, economia, geral, esportes, cultura, opinião, últimas, capa etc.), que têm equipes próprias, editor, subeditor e um grupo mínimo de repórteres. Já dirigi editoria de esportes com 10 pessoas.

Essa organização, que poderia ser transferida para os portais, está sendo desestruturada, com a ilusão de que as novas mídias criaram também superjornalistas, capazes de sozinhos garantirem a cobertura dos assuntos que envolvem as diversas editorias.

É preciso ressalvar que jornalista, que se preze, jamais pode justificar não saber cobrir esporte porque sempre trabalhou em polícia ou vice-versa. A profissão não é “jornalista esportivo” ou “jornalista de polícia” ou “jornalista de economia”. É jornalista. Ponto final.

A questão é que as divisões, tradicionais nas redações de jornais, mantêm o foco, incentivam o cultivo de fontes, criam vínculos fundamentais. Sem elas, como parece ser a tendência indicada pelas demissões, o risco de que repórteres saiam atirando para todo lado e o que hoje é organizado vire um mar de improviso é muito grande.

As demissões estão atingindo gordurinhas ou ferindo raízes? Por que os anunciantes hesitam tanto em migrar para a mídia digital? São dúvidas do momento.

Tomara que os dirigentes da indústria da comunicação consigam entender o processo inteiro, olhem a floresta e não apenas a árvore, fazendo a transição correta, sem desestruturar a informação. O leitor agradece.

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