Conversas com Phelippe Daou e Umberto Calderaro

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Calderaro recebe Phelippe Daou

Phelippe Daou, jornalista, empresário, fundador da Rede Amazônica de Rádio e Televisão, faleceu nesta quarta (14/12). Foi uma surpresa. Quando se foram Joaquim Margarido e Milton Cordeiro, final de outubro e começo de novembro, ele, mesmo abalado, demonstrou a disposição de sempre para lutar pela vida. Mas essa partida enseja a oportunidade de, praticando a justiça, revelar alguns diálogos que tive com ele e o jornalista Umberto Calderaro, fundador da Rede Calderaro.

Morei, muitos anos, num conjunto em frente à casa de Calderaro. Lá pela madrugada, o telefone (fixo) despertava com aquele toque estridente e, do outro lado da linha, aquela voz conhecida: “Alô. O senhor está fazendo alguma coisa? Então venha pra cá que tenho um assunto urgente pra tratar com o senhor”. Era o “seo” Umberto. Ia sempre. Fui muitas vezes. E ouvi muito sobre história do jornalismo amazonense, tino empresarial, amor pela filha, Cristina, netos, neta, esposa e, claro, por A Crítica.

Traçamos planos de escrever um livro de memórias. Tudo na primeira pessoa. Mas aquilo seria nitroglicerina pura, entre os políticos provincianos que seriam citados, inevitavelmente, e o projeto foi sendo adiado, até a interrupção causada pela morte de Calderaro.

Restou, bem nítida, a lógica do “bem fundamental” para ele, o jornal A Crítica, para o qual mantinha dois anos de reservas. Estoque de bobinas, para a rotativa, guardadas num depósito mais ou menos secreto, e fundo financeiro, para não atrasar os salários da redação. Longe do empresário frio, cego pela busca do lucro pelo lucro, Calderaro se revelava, nessas conversas, um homem preocupado com a família, o futuro de seu empreendimento e do Estado que escolheu para viver.

Phelippe Daou se mantinha atento à programação da Rede Amazônica. Se o dia-a-dia, no entanto, fosse corrido, jamais deixava de assistir pelo menos o Bom Dia Amazônia, enquanto praticava os exercícios de artes marciais. E eu, depois de apresentar o Bom Dia Manaus, na TV Ajuricaba, o Bom Dia Amazonas, na Rede Brasil Norte (RBN), repetidora da TV Manchete, fui chamado para o Bom Dia Amazônia, quando a Globo mudou de endereço.

O contato de Phelippe com a redação se dava por Milton Cordeiro. A exceção era o Bom Dia Amazônia e eu, apresentador e editor, era chamado para discutir a pauta com ele. Aos poucos, o papo foi se tornando mais íntimo e foram surgindo temas mais amplos, como a candidatura do ex-presidente nacional da OAB e amigo pessoal dele, Bernardo Cabral, a deputado federal. Depois, com sua habilidade peculiar, Cabral se tornaria relator da Constituição de 1988, senador, ministro da Justiça… A raiz da entrada na política, no entanto, passou pelo aconselhamento do fundador da Rede Amazônica.

Há uma história pitoresca, nessa relação com Phelippe, que precisa ser contada. Havia um programa na TV Amazonas, “A palavra é sua”, que ia ao ar aos domingos. Era uma entrevista longa, única, de meia hora, com quatro blocos. Numa delas, em meio a longa greve dos médicos no Estado, puxada pelos professores de Medicina da Ufam, o entrevistado foi o governador Amazonino Mendes. Ele chegou ao estúdio acompanhado de todo o primeiro escalão do Governo. Phelippe, Milton Cordeiro e outros diretores estavam com eles e ficaram por trás das câmeras, enquanto eu tinha a incumbência de entrevistar o governador.

Foi uma entrevista dura. Saíram coisas que recrudesceram a greve e fizeram o Governo do Estado recuar, dias depois, diante da revolta dos médicos.

Foi uma entrevista gravada. Imagine o leitor a pressão exercida sobre Phelippe Daou e os demais diretores da TV Amazonas, entre a noite de sábado, quando gravamos, e a manhã de domingo, quando “A palavra é sua” foi ao ar. Segunda, na hora do nosso breefing, ele estava sereno, reflexivo, introspectivo. Discutimos os temas e, na saída, escutei o único comentário dele sobre o programa: “Pensei que você ia se intimidar. Mas foi muito bem”.

Aí veio a greve na TV Amazonas. Durou do Jornal Nacional de sábado, até depois do Fantástico, domingo. Mestre Phelippe, me desculpe, mas eu não podia ficar contra meus colegas. Tentei, com Milton Cordeiro e com o senhor, estancar os problemas que estavam atrapalhando aquela redação, escolhida tão criteriosamente por Raul Bastos, diretor de rede da Globo, para a sua emissora. A história mostra que ele estava certo e aqueles profissionais brilharam nos veículos que os acolheram depois. Agora que o senhor conhece todos os fatos, aí de cima, já sabe que não me coube o comando ou a iniciativa do movimento. Meu papel foi tentar velar pela integridade dos colegas e do patrimônio da emissora, evitando danos que provocariam consequências drásticas para os dois lados.

O Amazonas tem um lugar na História para Umberto Calderaro e Phelippe Daou. São líderes empresariais vitoriosos. Souberam conduzir os interesses de suas empresas, sem prejudicar o futuro do Amazonas e, bem ao contrário, edificando os amazonenses.

Muitos outros, certamente, têm muito mais histórias com essas duas figuras que partiram. Mas estas são parte de uma saudade profunda das referências, num momento em que se vê tantas barbaridades praticadas em nome do jornalismo, como notícias de suicídios (que bom jornalista nem cogita publicar) e fotos de cadáveres exibidas sob o manto do cínico aviso de “cenas fortes, não abra”, que mais desperta curiosidade que adverte.

À Rede Amazônica, familiares e funcionários, os pêsames pelas perdas dos fundadores, em tão pouco tempo.

Umberto Calderaro receba Phelippe Daou aí em cima. Deem uma luz para nós.

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1 comentário

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  1. Jose Roberto Girão de Alencar disse:

    Parabéns. Excelente matéria.
    Eu também, alguns anos antes de você, tive oportunidade de conviver e trabalhar com ia dois.
    Quando da implantação da TV eu era gerente de marketing do Grupo Daou, como redator de textos de comerciais com slides. Tambalhei como Jornalista Ulisses Azevedo este para noticiário do jornal e editoriais. Foi uma grande escola de jornalismo e vida.