Juma e a corrupção

A onça Juma se transformou na primeira grande baixa do Brasil, nos jogos do Rio de Janeiro. Coitado do felino! Por certo não tinha aspirações a medalhas. Quando muito, talvez e se houvesse, à certificação como predador de altíssima qualidade, já que as onças vivem apenas para caçar, comer e dormir. O que, permitam-me dizer, não é o caso de muita gente, estabelecida, como se acha, a existência, nesta grande República, de um outro nível de predadores. Os integrantes dessa nova grei, se é verdade que não podem abrir mão da comilança e do descanso, optam por substituir a atividade venatória por uma outra mais produtiva, a seu sentir: o assalto puro e simples a tudo o que tenha cheiro e forma de dinheiro público. E nesse mister sua eficácia é incontestável de tal forma que, acaso se dispusessem à aventura olímpica, abocanhariam medalhas de ouro às carradas. O que, ao fim e ao cabo, conteria uma certa dose de justiça poética, eis que amealhar ouro a qualquer custo é o próprio e único desiderato desses atletas da traquinagem.

Não há dia do calendário gregoriano em que as folhas de notícia da Pátria amada deixem de estar repletas de acontecimentos dessa modalidade. Divididas em séries, qual o brasileirão, as disputas pela hegemonia da roubalheira se sucedem em rodadas emocionantes, nas quais não faltam lances de perigo e até de puro virtuosismo. Como é da natureza das competições, os craques tendem a se sobressair diante do quase amadorismo dos pernas-de-pau, ou dos que entram no jogo apenas para fazer número. Assim é que, enquanto num obscuro vilarejo do interior, um prefeito simplório acha que pode empregar numa ponte o dinheiro destinado à educação, nos grandes palácios da Corte propriamente dita a coisa muda de figura para atingir dimensões que o acanhado cérebro do escriba não logra alcançar e muito menos compreender.

Quando esteve em disputa, por exemplo, o troféu denominado “mensalão”, a bola rolou solta, sem árbitro e sem bandeirinha, entre engravatados pais da Pátria, encastelados nas casas congressuais. Não se afastava a fase conciliatória, num arremedo do intrincado sistema judiciário brasileiro, em que, dependendo da natureza da causa ou da gravidade da ofensa, é possível compor os interesses das partes em litígio. Se o voto de um deputado era para assegurar a aprovação de um projeto de mínima importância, a pendência talvez pudesse ser resolvida com a singela oferta de emprego para um apaniguado. Nem pensar em tamanha simploriedade, contudo, se se tratasse da votação do orçamento e o sufrágio a ser conquistado fosse o de um senador. Aí a lei de mercado demonstrava todo o seu peso e as negociações deixavam de lado o frágil real para se expressarem em dólares ou euros.

Mas não faço a mínima ideia de em qual em moeda se desenvolveram as tratativas dentro da Petrobrás. Tenho para mim de que em diamantes puros, de tantos quilates quantos possam existir na categoria. Que coisa! Conseguiram desmoralizar e levar à beira do aniquilamento uma empresa que, pela sua origem, representava uma conquista dos brasileiros na sua ânsia de autodeterminação. O mais curioso é que, com essa dimensão avassaladora, as “tenebrosas transações” tinham lugar sem alarde, como sempre fez questão de frisar dona Dilma Roussef que, mesmo presidindo o Conselho de Administração da empresa, de nada sabia e de nada ouvia falar, enquanto a inútil refinaria de Pasadena era negociada e adquirida para integrar o acervo morto da estatal. Ou é um caso de debilidade mental ou de cinismo qualificado.

Esse misto de cegueira e surdez, porém, não é patologia nova entre os integrantes do partido de dona Dilma. No já referido mensalão, aliás, o criador e sustentáculo da afastada senhora revelou os mais aberrantes sintomas da doença. José Dirceu pagou o pato sozinho e acabou na cadeia porque ele, o próprio inventor do lulopetismo, nunca soube do que se passava ali ao seu lado (nas suas barbas, se me permitem o infame trocadilho), já que a tramoia era urdida e executada a partir do Gabinete Civil da presidência.

Neste passo, não consigo resistir à tentação de operar um pequeno desvio de rota. Faltam-me condições para avaliar se a condenação de Dirceu foi ou não justa. Como tenha sido, entretanto, é impossível não reconhecer que ele não se deixou levar pelo canto de sereia da alcaguetagem, atividade sórdida que os paladinos de um processo penal esdrúxulo rebatizaram com o pomposo apelido de “delação premiada”. Parece que estamos vivendo na República dos Alcaguetes. O sujeito suborna, corrompe, mistura seu dinheiro com o do erário sem saber mais separar, enriquece ilicitamente, enfim. Depois, num passe de mágica, recebe um prêmio porque, além de ser tudo o que não presta, agregou às suas horrendas qualidades a mais horrenda ainda de alcaguete. O que que é isso, minha gente? – haveria de indagar o locutor esportivo, diante desse inusitado lance nas Olimpíadas da corrupção.

Diante de tamanho descalabro, prefiro apenas homenagear a memória da onça Juma. Era símbolo vivo de bravos guerreiros selváticos e mesmo assim foi sacrificada, talvez porque não lhe tenha sido possível entender o significado da tocha. Tomara que eu não tenha o mesmo destino, já que, qual o felino, também não consigo entender como é possível roubar tanto.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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