O legado à gastronomia amazonense do mestre Francis Barlier

O pirarucu, por si só, fresco, assado no moquém, servido com farinha, sal e uma pimentinha é impagável. Ao molho de açaí, com banana e a farinha levemente tostada… A fórmula parece simples e a impressão é de que qualquer um, com o mínimo de habilidade na cozinha, será capaz de executá-la. Mas é justamente aí que entra o departamento da criatividade gastronômica, o espaço em que trabalham os especialistas nas melhores técnicas de cocção – cozimento, elaboração de refeições. É essa a praia onde o mestre Francis Barlier, dos restaurantes Domus, Salade Délice (SD) Wine e Sabor Brasil, marcou a culinária amazonense.

Francis faleceu no sábado (18/04). Subitamente. Sentiu-se mal, foi ao médico, passou por exames e descobriu-se que estava com um câncer em metástases, terminal. Foi um choque. Nesse curto espaço de tempo, ele passou pelo 28 de Agosto, com parada respiratória, e foi internado na Fundação Cecon.

O chef, nas visitas que recebeu, tinha uma preocupação: a continuação dos restaurantes. “Esmeraldo, fique de olho na qualidade. Pega meu caderno de receitas e troca o cardápio de vez em quando”, dizia ao sempre presente maitre do Domus.

No fundo, no fundo, nesse campo, o chef foi em paz.

Nascido na Holanda e criado na fronteira da França com a Alemanha, onde obteve a formação em alta gastronomia, Francis Barlier, além de ter sido professor de Gastronomia na Unip, encontrou no proprietário dos restaurantes que abriu, Ivanhoé Mendes, a alma gêmea na cozinha e na vida.

Ivan, como Ivanhoé é conhecido, o levava consigo nas viagens de férias pelo mundo – França, Espanha, Estados Unidos, Turquia, Portugal, Alemanha etc. –, buscando reciclá-lo, renovando a inspiração.

Às vésperas de uma dessas viagens, rumo à Alsácia (Alsace em francês e Elsass em alemão), região francesa na fronteira com a Alemanha disputada em diversas guerras, Ivan fez uma surpresa a Francis. Cozinhou o bahnhof, a comida mais típica daquela área, justamente onde o chef cresceu e estudou gastronomia. O bahnhof, literalmente “estação de trem”, é feito com três tipos de carne – frango, gado e porco –, abafadas em travessa por uma fina massa folhada, devidamente temperadas e assadas no forno. Foi um desafio e tanto. Ivan e a esposa, Tâmera, aguardavam com tensão e expectativa a reação do chef. E ele, emocionado, comeu à farta e deu uma declaração que equivale a um diploma de pós-graduação: “Foi um dos melhores bahnhofs que já comi”.

Ivan é um grande chef. Consegue reproduzir com maestria pratos que experimenta nas viagens e participou da elaboração de menus com Francis, lado a lado, ombro a ombro. A memória gastronômica implantada pelo francês está preservada com ele.

O legado de Francis Barlier é, sem dúvida, inegável. Inspirou grupo crescente de amigos a viajarem, conhecendo novos sabores, buscando regiões vinícolas pelo mundo, ampliando a cultura. É a inspiração da Confraria dos Amigos do Vinho (CAV), grupo que se reúne, semanalmente, para degustar novos rótulos e compartilhar experiências gastronômicas.

O Domus, trazendo delícias como as francesas foie gras e confit de pato moulin ou o presunto cru espanhol pata negra, além de vinhos de regiões produtoras antes não disponíveis em Manaus, é uma inovação preciosa, incorporada ao cotidiano da cidade. Tem a cara de Francis e Ivan. É a materialização de duas grandes almas e um porto seguro da melhor gastronomia.

Esse editorial levou duas semanas para ser escrito. A morte de Francis impacta fortemente a todos. Que a memória dele fique para sempre entre nós.

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1 comentário

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  1. Alexandre Augusto lauria noronha disse:

    Comentário perfeito, ele marcou nossa vida.