A responsabilidade de cada um quando o mato alto toma as frentes das casas e pela crise na segurança pública

O falecido jornalista Umberto Calderaro Filho custou a ceder ao que chamava de “TV miséria”. Não gostava da exploração descarada da situação deplorável na periferia de Manaus, que continua até hoje, por aproveitadores em busca de votos. A atual crise na segurança pública do Amazonas traz reflexão semelhante, onde é mais fácil noticiar os crimes sensacionais que buscar causas e apontar soluções para o problema.

Há uma guerra surda entre grupos criminosos rivais, a Família do Norte (FDN) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), ambos coordenados de dentro dos presídios.

Assaltar, por outro lado, está virando brincadeira de adolescente. Roubo de carro popular e arma de vigilante para sair assaltando pela madrugada é fato comum, basta ver as estatísticas.

A escalada do tráfico de drogas, ao mesmo tempo, se torna cada vez mais insuportável. A fronteira Brasil-Colômbia-Peru é uma peneira, por onde passa o abastecimento brasileiro, responsável pelos “laboratórios” espalhados em Manaus e outras grandes cidades. A polícia fechou dois deles, esta semana, no condomínio Bosque Residencial Cândido Portinari, um dos quais com capacidade para prensar até 30 toneladas de cocaína.

Bandido, afinal, é mais esperto que policial? O crime compensa?

Não. E não.

A maioria que envereda pelo caminho do crime o faz por desespero ou equívoco. É o viciado sob ameaça de traficante ou o garoto sem perspectiva, lar desfeito, em situação social miserável, vendo aí uma oportunidade de impressionar os amigos, de ascensão social.

Ninguém mete a cara na frente de uma arma apenas porque quer brincar de morrer.

A violência é reflexo de uma sociedade onde todos cruzam os braços para os problemas, esperando que a autoridade os resolva. O mato cresce na frente da casa do sujeito, toma conta da calçada, ameaça invadir a sala e ele chama a TV para reclamar que a Prefeitura não foi lá cortá-lo.

O escândalo é grande, da mesma forma, quando o lixo aflora nos igarapés. Ninguém sai curso d’água acima para flagrar os moradores das margens atirando resíduos, como se aquilo fosse desaparecer no momento seguinte. Como também não há campanhas educativas, tampouco vigilância, o problema parece perpétuo e o poder público municipal gasta milhões e milhões, todos os meses, para tirar esse lixo de lá.

Muitos se perguntam, em viagem aos Estados Unidos, Miami e Orlando principalmente, como é que aqueles gramados imensos, nas frentes das casas, são tão verdinhos, com a grama sempre aparada. Simples: há uma lei, que vale em todo o País, de que a responsabilidade por manter o gramado bonitinho é do morador, sob pena de multa pesada. Há inúmeros exemplos de brasileiros que, indo morar nos EUA, foram denunciados por vizinhos porque a grama estava ficando alta. Tiveram que aprender a usar o aparador e a incluir o corte na rotina cotidiana.

Aqui, um atravessa a rua para jogar lixo na frente da casa do outro. E o lixo se acumula sem que ninguém mova uma palha para ajudar. Ou passa o carro coletor ou nasce uma nova lixeira viciada.

Segurança, como o mato e a grama alta das ruas, não é tarefa individual e sim ação coletiva. Não adianta construir presídios e criar imensos aparatos policiais se nada for feito para melhorar a formação cultural-educacional da sociedade. Da mesma forma que não adianta construir hospitais e formar médicos, que são para tratar as doenças, sem investimento nos professores de educação física e nutricionistas, os melhores aliados dos médicos para oferecer saúde.

A crise atual na segurança pública não está só na periferia. Faz tempo que chegou aos condomínios de luxo, como Jardim Europa, na Ponta Negra. Não é, portanto, uma questão ocasional ou político-eleitoral. transcende a eleição. Mas é seríssima. Exige a participação de todos na solução. Se moradores do Cândido Portinari não denunciassem, os laboratórios da FDN e PCC continuariam lá, numa casa de luxo, entupindo a cidade de droga.

Ninguém está acima da crise. Ninguém. Todos, portanto, têm a obrigação de ajudar.

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5 comentários

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  1. Henrique disse:

    Perfeito seu artigo, Marcos! Sobre os igarapés, o lixo não vai sozinho para lá, não é mesmo? Mas ainda assim, nao tem um político q abra a boca e diga que a culpa é da população mal educada q joga lixo lá e na rua! E tudo por quê? Por medo de “perder” o tal do voto… Brincadeira!

  2. Paulo Lemos disse:

    Parabéns Marcos Santos você descreveu tudo que vem acontecendo em nossa cidade.

  3. orlene braga de sousa disse:

    parabens amigo…este seu editorial deveria ser transformado em placas (igual a dos politicos) e colocado na periferia para o povo entender que depende de todos uma cidade organizada e segura.

  4. nildo disse:

    Parabéns marcos santos, excelente texto

  5. Marco disse:

    Algo que também não se vê nos EUA, Europa, Coréia do Sul e Japão, são cães e gatos soltos nas vias públicas. Lá ninguém fica pisando em fezes de animais ou correr riscos de mordeduras.

    Vivemos um tempo estranho, espancar e ferir crianças não causa muito espanto, já é algo banal, mas se fizer com cães, o que é um crime também, se mobilizam uma passeata e protestos nas redes sociais de pessoas e grupos bem articulados, geralmente da classe média.

    A responsabilidade da segurança pública, não deve ficar só a cargo da SSP, os moradores não cobram da concessionária e prefeitura quando os postes públicos ficam sem luz. Ou quando a Prefeitura não faz a poda ou reforça a iluminação artificial nas áreas com árvores frondosas.
    A prefeitura também não cobra a limpeza e a murada de terrenos e imóveis abandonados que trazem insegurança e riscos à saúde.

    Falta também Concurso para a Guarda Municipal (GM) que deve ficar responsável por áreas como o CSU do Parque 10 que está abandonado. Manaus deve usar a GM da capital fluminense como exemplo