As lições da tropa de PMs e como a associação ‘sem liderança’ e ‘sem expressão’ que vergou a cúpula da segurança andou no fio da navalha

A greve da Polícia Militar (PM) do Amazonas deixou muitas lições. A primeira é que há algo de errado entre comando e comandados. Outras são: a Associação dos Policiais do Estado do Amazonas (Apeam) tem força no meio; a cúpula da segurança está mal informada e saiu com a autoridade seriamente arranhada do episódio; e se existem tantos bandidos, a ponto de “tocar o terror na cidade”, como prometiam os grevistas, o que faz o sistema de segurança, com o horror de dinheiro investido pelo Estado, que não coloca esses bandidos na cadeia?

Policiais militares em greve são uma novidade baiana. O governador petista Jacques Wagner endureceu o jogo com os grevistas – como, aliás, o PT tem feito desde que assumiu o Governo Federal – e a Região Metropolitana de Salvador se viu vítima de arrastões e assaltos como nunca se viu. Suspeita-se que os próprios PMs “apimentaram” as coisas.

O mote da greve no Amazonas, nas redes sociais, era de que ninguém deveria sair de casa, dia 1º de Maio, porque a cidade estaria desguarnecida e seria extremamente perigoso, com risco de assaltos e todo tipo de violência.

A cúpula da segurança pública tomou medidas para evitar que a insegurança se instalasse. Deixou de prontidão os alunos da PM, ainda nas fraldas, participando do curso de formação, disposta a lançar mão deles para substituir os possíveis grevistas.

E aí, num rompante digno de um Sancho Pança ou de um Odorico Paraguaçu, o secretário Roberto Vital convocou a imprensa para pedir que “não espalhasse boatos” ou “fuxicos” nas mídias sociais, além de garantir que não haveria “greve alguma”, na noite de domingo.

Três horas após o rocambolesco pronunciamento, entre 20h e 23h, eis que os grevistas despontam na Arena Amadeu Teixeira. Exatamente como haviam prometido e até algum tempo antes.

A “greve virtual” se tornou verdadeira. A cúpula da segurança pública do Amazonas passou recibo de falta de comando e desinformação. Pior. Enredou o governador José Melo nisso.

O governador, previdente, pediu que “todas” as associações fossem chamadas à sede de Governo, sexta-feira à noite, para aparar as arestas e evitar a deflagração do movimento. Melo, como todos sabem, é candidato à reeleição e uma greve conturbada como a da PM baiana, sob o Governo que comanda, seria fatal para seus planos. A cúpula da segurança, porém, levou só as associações próximas e resolveu até sacrificar a cereja do bolo: o deputado estadual Cabo Maciel, que se tem firmado como porta-voz das reivindicações da tropa. E a Apeam? Esta, nos dizeres dos oficiais reunidos em torno de Roberto Vital, não tinha “liderança nenhuma”. E a Apeam ficou de fora.

O resultado é que a reunião da cúpula da segurança com o governador passou a ser desdenhada nas redes sociais. Começou então a contrainformação: “Não saia de casa e compre provisões, como água e comida, para pelo menos cinco dias”, alardeavam os grevistas; “isso é bobagem de quem não tem o que fazer; não haverá greve alguma”, contra-atacavam os “cupulistas”.

Veio a greve. Fato. O Governo do Estado, numa ata, ou seja, num documento oficial, decretou que existe um mundo real e outro virtual, optando pelo do faz-de-conta. Escreveu, com todas as letras, que a greve não será considerada greve e sim “paralisação”. Com isso evita punir os grevistas.

Melo, por outro lado, cansado da desinformação da cúpula da segurança, resolveu ir pessoalmente à Arena da Amazônia. Num carro preto, vidros com película de insufilm escura, rodou pelo local e percebeu que aquele movimento “virtual” não era tão virtual assim. Pediu a PMs de confiança, fora da “cúpula”, uma exposição da situação. Foi pessoalmente às Cicoms. Conversou com praças. Descobriu “diversas coisas que estavam erradas”, como disse na coletiva.

O que houve afinal? Simples: um erro comum nas cúpulas é se encastelar em si mesma, achando que basta o cargo para que todos se ajoelhem diante delas. Isso a história relata fartamente.

O establishment, a cúpula da União Soviética, acreditou tanto nas suas próprias mordomias e num domínio mundial baseado na força, que apodreceu. O inimigo mortal, que seriam os EUA, acabou vindo da figura interna do primeiro-ministro Mikhail Gorbachev, na famosa Perestroika, derrubando o castelo de cartas em que se havia transformado o Soviet Supremo.

No Amazonas, o comando da Segurança Pública age como se estivesse acima da lei e da sociedade. É assim nas nomeações para cargos-chaves. O mínimo é evitar aqueles que estão respondendo a processo, ou seja, sob suspeita judicial. Vital parece estar se lixando para isso.

O governador José Melo, ao garantir que “não haverá mudança na cúpula da segurança pública do Estado”, deu o seguinte recado: “Não vou mudar ninguém, mas esse pessoal me vendeu barato nessa greve e eu estou de olho neles. Eu sou avalista de todos, mas vou demiti-los na primeira de copas que aprontarem de novo”. Vital e companhia terão que ficar pianinho e aceitar os fatos: o governador, em pessoa, passou por cima deles para acabar com a greve. Raul Zaidan foi mais líder da segurança que todos os líderes reunidos.

Surge uma nova liderança. Chama-se Platiny Soares. É o presidente da Apeam. E aí reside novo risco.

Os momentos que antecederam a greve foram gravíssimos. Não fosse a cúpula da segurança pública tão cheia de si e as ameaças terríveis contra a população se voltariam contra a Apeam. Manaus, o Amazonas e o Brasil, não comportam mais alguém dizendo que vai “baixar o terror” e aconselhando às pessoas que não saiam de casa. Isso é in-to-le-rá-vel.

Platiny e companhia resvalaram no fio da navalha. Poderiam ser execrados, caso a “cúpula da segurança pública” tivesse um pouquinho menos de prepotência e demonstrasse o descabimento da ameaça que fizeram.

Repito. Isso é intolerável. A cidade inteira se revoltou com isso. Essa intolerância, feliz ou infelizmente, não foi usada contra os grevistas.

Outra coisa é a pretensão política de Platiny. Dizem que é candidato a deputado estadual. Pode? Claro. Todo cidadão brasileiro, em pleno uso da cidadania, tem o direito de votar e ser votado. Líderes coletivos surgem em movimentos legítimos. Mas chega desse negócio de ousar usar rodoviário, policial ou qualquer categoria que seja para inflar pretensões individuais, sem escrúpulos quanto aos prejuízos que a cidade e os indivíduos sofram. Ação desse tipo, diante de população consciente e politizada, deve tirar voto e não ajudar candidatos.

Agora é preparar o dia seguinte. Uma pitada de humildade, em ambos os lados, vai muito bem. Tomara que o Amazonas veja raiar o sol da Copa do Mundo em paz.

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4 comentários

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  1. Rogerio Rabello disse:

    Muito bem escrito e dito, Marcos. Um pequeno complemento, a greve ou mobilização é no mínimo inconstitucional e se a polícia é militar, trata-se de um motim.
    Essa história, quem tem mais de 40 anos já viu antes e não acaba bem. Desordem e bagunça generalizada como estamos vendo geralmente clama por mão forte e ações heterodoxas de poder. Talvez nos tempos de hoje, isto não caiba mais.
    O que se percebe é que a sociedade corre risco em suas instituições e vê solapada pelos seus próprios instrumentos o que julga ser seu bem maior, o ambiente democrático.

  2. Jose Alfred. disse:

    Este fato ja estava previsto, o alto comando não tem respeito pelos praças, e colheram o que plantaram.

  3. MANAÓS disse:

    Muito bem escrito Srº Marcos Santos, não é de hoje que as covardias existentes na Polícia Militar do Amazonas acontecem, a grande diferença é que esses abusos e covardias não são mais engolidos goela abaixo pelos praças como antigamente, pois a tropa hoje mais do que nunca é formada por pessoas esclarecidas, todas com nível médio e muitos universitários, especialistas e alguns mestres. Isso faz com que a massa crítica da tropa fique mais apurada e indignada com esses absurdos. Vou exemplificar sem citar nomes: A pouco tempo houve um episódio onde garotas apareciam no interior de uma viatura da PMAM e fizeram uma ampla divulgação na mídia. A cúpula da Polícia Militar identificou os policiais, que eram soldados, e ambos foram expulsos por atitude não condizente com a profissão! Na semana seguinte um policial militar, desta vez Oficial, foi fotografado com outro homem fazendo sexo oral no interior de uma viatura! A cúpula da PMAM mais uma vez reuniu-se e decidiu punir o Oficial e o colocou no Comando Geral da Polícia em Petrópolis, onde trabalha administrativamente. Essa é a diferença que tratam as coisas na Polícia Militar do Amazonas se for praça, punições severas, se for oficial, o tapinha nas costas e um conselho “vê se não faz isso de novo hein!”.
    No dia histórico em que a polícia parou, ficou mais uma vez claro que as revoluções começam de baixo para cima, os praças que são tão humilhados e oprimidos pelos oficiais, em fim deram um grito de socorro, e mandaram o recado, que da forma que está não dá mais.
    A principal conquista da categoria é a Lei de Promoção. E mais uma vez chamo atenção para o abismo que existe entre praças e oficiais: Um oficial ao ingressar na Polícia começa a carreira como Aspirante a oficial e após vinte anos de serviço, já tenente coronel(dependendo da área) que é o penúltimo posto da carreira que encerra-se em coronel. Já o praça começa como aluno soldado e após vinte anos ainda é soldado ou já conseguiu a duras penas ser promovida a cabo. isso é uma covardia. além do que os oficiais tem critérios e tempo previsto em lei para ser promovido já o praça tem que esperar um milagre.
    Portanto, aos que criticam as atitudes dos praças, muito cuidado ao jogar pedras antes de saber a realidade vivida por esses verdadeiros heróis da sociedade.

  4. MANAÓS disse:

    Gostaria muito de perguntar ao Governador!
    SENHOR GOVERNADOR A CÚPULA DA POLÍCIA MILITAR MENTIU PARA A POPULAÇÃO DIZENDO QUE NÃO HAVERIA GREVE E FOI INCOMPETENTE AO REALIZAR A OPERAÇÃO ABAFA? OU FOI INCOMPETENTE AO NÃO IDENTIFICAR E RECONHECER UM PLEITO JUSTO POR PARTE DA TROPA QUE JÁ AVISAVA QUE IRIA PARA?