Questões do transporte coletivo e tráfico de drogas não são resolvidas porque a classe média, ignorante e alienada, se recusa a participar da solução

O grande sonho do jovem manauara, no ambiente de consumo atual, é ter um carro e fugir da maldição do ônibus. Ao volante do veículo próprio, ele se julga imune às greves, à absoluta irresponsabilidade dos empresários e tudo o que envolve o trânsito caótico das grandes cidades. No ambiente estudantil e nas baladas, ao mesmo tempo, a droga circula febril. Não é à toa que popularizaram-se expressões como “careta”, como é chamado o não usuário, e a máxima de que “um tapinha não dói”, com seu dúbio sentido.

Qualquer empresário sério, por menor que seja, treme só de ouvir falar em fiscalização da Receita Federal ou do INSS, agora fundidos num só órgão, a Super-Receita. Empresário de ônibus em Manaus, porém, é flagrado quase diariamente sem depositar a parte da previdência social ou o FGTS, mas passa incólume. Basta usar o argumento de que, se falir, o pobre operário vai ficar sem transporte para ir ao trabalho e pronto. Parece que pode tudo.

A Super-Receita parece ignorar o péssimo efeito didático que ocorre no seio empresarial. Todos sabem que os fiscais, em número pequeno, não conseguem fiscalizar tudo. Trabalham por amostragem ou com base no cruzamento de dados. Se todos sonegarem ao mesmo tempo, a receita do País cairá brutalmente, mas a fiscalização não será capaz de chegar a tantos sonegadores e a maioria escapará incólume. E aí é comum se ouvir, do pequeno varejista que trabalha em tempo integral para ganhar uns poucos caraminguás de lucro e pagar as despesas no fim do mês: “Se ele pode por que eu não posso?”

A falta de um transporte coletivo decente obriga todo mundo que tem carro em Manaus a tirá-lo da garagem diariamente. Chova ou faça sol. Com as facilidades de financiamento e a melhoria da renda na classe média, não é incomum que marido e mulher tenham um veículo cada. Isso aumenta o número de carros no trânsito e o resultado são os engarrafamentos que tumultuam a vida de todos e diminuem drasticamente a qualidade de vida na cidade.

Quando os trabalhadores descobrem que a empresa não deposita o FGTS e o INSS, como ocorre agora na impune Global Green, e param os ônibus, o jovem classe média que comprou o carro e paga a gasolina com tanta sacrifício se une ao operário usuário do transporte coletivo e ao bacana que têm até motorista, nos engarrafamentos quilométricos que se formam.

A sonegação de FGTS e INSS se tornou crônica há dez anos. O Sindicato dos Rodoviários, que deveria fiscalizar e denunciar o problema, em nome da defesa da categoria, tem preferido usá-lo como moeda de troca. Ou torna o empresário refém ou explode contra ele uma greve como a que ocorre agora na Global Green, usando o problema como justificativa diante da opinião pública.

A sociedade precisa se perguntar também por que Ministério do Trabalho e Super-Receita não conseguem alcançar essas empresas e esses empresários? Ah, os empresários! Nenhum deles, diante da penúria em que vivem as empresas do transporte coletivo de Manaus, vive numa casinha humilde, num bairro da periferia, como seria  natural, mas nos melhores condomínios e mansões da cidade ou fora daqui.

O usuário de droga, por outro lado, é o freguês do tráfico. É ele que financia o traficante, com o seu inocente “tapinha” no cigarro de maconha ou a cheirada na carreira de cocaína. Pior é que não são todos os usuários que descem a ladeira e ficam jogados na sarjeta. Há aqueles que conseguem manter as aparências, mas estão igualmente alimentando a corrente sanguínea dessa indústria, só equiparada à armamentista em opulência e faturamento, mas superior à Coca-Cola em pontos de venda.

A sonegação de direitos trabalhistas joga na lata de lixo conquistas sociais fundamentais, obtidas com sangue, suor e lágrimas. A droga não poupa ninguém com a violência que gera.

A sociedade, alienada ou não, precisa refletir mais sobre isso.

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5 comentários

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  1. Cruz disse:

    Enquanto eu e os meus estivermos bem, o resto eh q sifu. Esse eh o principio q rege as sociedades atrasadas.

  2. Paulo Silva disse:

    Marcos a classe media elegeu o Prefeito e os vereadores que tem a missao de resolver esses problemas! Ora, colocar a culpa na classe media agora e facil! Quem foi pra Tv no horario eleitoral e prometeu resolver esses problemas, exceto o trafico que e de alcada estadual, foi o atual prefeito Artur! agora se ele nao tem competencia e coragem pra resolver ai e outra estoria! estamos fazendo a nossa parte! Pagamos nossos impostos em dia! cabe ao Prefeito agora resolver o problema do transporte publico que ele disse que em 100 dias resolveria! Ja se passaram mais de 07 meses e ate agora so bla, bla, bla!

  3. Pereira disse:

    Separemos tráfico de drogas de transporte público, apesar de ambos serem duas drogas. Porque trocar o carro pelo transporte público se o transporte público é um carro de transporte de bois? Ônibus em petição de miséria, motoristas mal treinados, mal remunerados e mal humorados, horários aleatórios dos ônibus, quebras frequentes. Não há nenhum atrativo que faça uma pessoa trocar o bom pelo péssimo. Só anda de transporte público quem não tem alternativa. Coloque atrativos visíveis, tratem os usuários como cidadãos de 1a classe e não gado a serem transportados, para depois colocar a culpa na classe média.

  4. Raimundo disse:

    Acredito que não só a classe média,mas a sociedade em geral,tem sua parcela de culpa nesta situação.Agora não podemos isentar o poder público da responsabilidade maior nisso tudo.
    A sociedade que não leva a risca a cobrança de seus governantes no que diz respeito a execução de políticas públicas que venham beneficiá-la de maneira eficaz.A população fica a contentar-se com empregos públicos,bolsa isso,bolsa aquilo; inauguração de uma pracinha aquí,outra acolá regado a propagandas de grande alcances midiáticos, e por aí vai.
    Por outro lado,os orgãos reponsáveis pela fiscalização e cumprimento da leis são ineficientes quanto ao exercício de suas funções.Enfim,juntando tudo isso muito mais, às coisas acabam chegando a este estado de coisas.

  5. Marco disse:

    Classe média, paga impostos (descontado na folha de pagamento). Classe mais baixa, recebe bolsa família e outras benesses do governo, além de trocar o seu voto por rancho, tijolo, etc… Estes últimos e que realmente decidem a eleição dos cargos majoritários do executivo.