Advogados e jornalistas

Época houve, há coisa de uns oito anos, em que, no Brasil, a Justiça Federal e sua respectiva polícia faziam tábua rasa de comezinhos princípios de alicerce do Estado Democrático de Direito e realizavam, com as bênçãos e pedidos do Ministério Público, invasões em escritórios de advocacia, ao argumento da necessidade de obter documentos que constituiriam corpo de delito relativamente a procedimentos investigatórios. Foi necessária a intervenção de nada menos que o Supremo Tribunal Federal para terminar com o absurdo, o que, por si só, já é estranho, uma vez que aquele tipo de comportamento não encontrava respaldo em nenhuma lei.

Por esse mesmo tempo, nos Estados Unidos, que se autointitulam “a maior democracia do mundo”, responsável pela preservação dos princípios da “civilização ocidental e cristã” (seja lá o que isso signifique), uma jornalista do New York Times, chamada Judith Miller, foi parar no xilindró “por ter se recusado a revelar suas fontes a um promotor que investigava o vazamento na imprensa da identidade de um agente da CIA”. Thomas Hogan era o nome da fera que ordenou a execução da violência. E vociferou: “Se as pessoas pudessem decidir a que ordens da justiça elas querem obedecer, seria a anarquia”.

Os hogans da vida, aqui, ali e acolá, esquecem que em ambos os casos, do advogado e do jornalista, está em jogo muito mais do que uma simples relação imediatista entre o conteúdo de uma norma ou de uma ordem judicial e o comportamento do profissional por uma delas visado.

Cuida-se, antes, de saber que esgarçamento se produzirá no tecido social quando se agride frontalmente o sigilo que, sobre ser direito dos homens e mulheres da advocacia e do jornalismo, é um dever inerente aos seus respectivos misteres. Com efeito, o advogado que sair alardeando aos ventos aquilo que ouviu do cliente e o jornalista que divulgar leviana e desnecessariamente o nome de sua fonte, não são dignos das profissões que exercem.

Que advogados e jornalistas podem cometer crimes é fato que não escaparia, por certo, nem mesmo ao juiz Hogan. Se o fizerem, é óbvio que se hão de submeter aos procedimentos legalmente previstos de apuração e persecução, eis que, como vem de proclamar o Presidente de uma das seccionais da OAB: “Nem mesmo os magistrados estão acima da lei”.

O que se há de ter por intolerável é que, no caso do advogado, tenha ele seu escritório devassado como se cúmplice fosse de algum cliente que tenha tangenciado a ordem jurídica, e, no do jornalista, seja ele forçado a desnudar a fonte onde se abeberou, sabido que a intangibilidade dessa fonte é, na maioria dos casos, da própria essência da publicação.

O advogado, mormente o que atua na área do direito penal, vive numa camisa de força. Não são raros os casos em que a versão preferida pelo cliente não é a que se apresenta tecnicamente mais viável. O dilema é cruel. A opção do leito é muitas vezes ditada por conveniências que envolvem questões delicadas de convivência familiar. Há, então, que respeitá-la, competindo ao profissional encontrar o caminho que, sem prejudicar a eficiência da defesa, respeite a privacidade do cidadão.

O jornalista obtém informações, cuja origem, algumas vezes se revelada, poderá trazer complicações inimagináveis para a pessoa que as forneceu. O dilema é similar, porque esse profissional tem o dever de informar o público, mas não pode impor ônus de qualquer tipo aos que lhe facilitam o trabalho.

Está-se a ver que os procedimentos referidos são anomalias incompatíveis com o mais elementar bom senso, podendo ser tidos à conta de vocações ditatoriais mais ou menos reprimidas. E que devem ser repelidas a qualquer custo, em nome mesmo da sobrevivência democrática.

Cícero reclamaria dos tempos e dos costumes (tempora et mores). A nós hodiernos só nos cabe deplorar o comportamento de pessoas que, tergiversando no desempenho de funções de Estado que lhes foram confiadas, tenham a pretensão de se considerar alheias aos conceitos de bem e de mal, como se suas convicções personalíssimas pudessem se sobrepor aos próprios mecanismos de convivência civilizada. Não podem e nem devem.

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