Lições de arte dramática no show de Daniel Day-Lewis em ‘Lincoln’ e o complicado jogo do ‘mensalinho do bem’

O gênio de Steven Spielberg está nas telonas, com ‘Lincoln’, uma obra-prima na política, no texto e nas artes cênicas. Daniel Day-Lewis transforma seus papéis em ‘O último moicano’ e ‘Gangues de Nova Iorque’ em ensaios, com a imersão na vida do 16º presidente norte-americano. Abraham Lincoln, no Discurso de Gettysburg, em 1863 (dois minutos, 269 palavras), estabeleceu os deveres básicos da Nação e, apenas seis dias após colher a vitória na Guerra da Secessão, com a rendição do Sul, comandado pelo general Robert Lee, tornou-se o primeiro presidente dos EUA a ser assassinado.

O filme é política pura, com seus meandros, numa realista lição da fina linha que separa as razões de Estado da falta de ética.

‘Lincoln’, o filme, é obra genial, mas não pode ser confundido com a biografia de Abraham Lincoln. Ele foi maior, assim como a Guerra da Secessão muito mais cruel. Spielberg não poupou nas cores ao abordar o conflito – um emaranhado se engalfinhando em luta corporal e um mar de cadáveres em inspeção do presidente -, embora tenha sido fiel ao foco, o personagem principal. Daniel Day-Lewis, por outro lado, só tem um rasgo de rivalidade nos momentos em que Tommy Lee Jones está em cena, como o deputado mais radical contra os escravocratas.

Lincoln, que precisou jogar o peso do cargo e a força do prestígio pessoal para convencer – e intimidar – adversários da 13ª Emenda, a libertação dos escravos, era um estadista. Mas aparece como um homem atormentado pela morte de um filho, tentando acabar com a guerra para poupar outro. O jogo de bastidores é muito mais duro do que parece e os sacrifícios necessários à vitória difíceis de digerir sem a perspectiva histórica. Sacrifício, nesse caso, em nome do objetivo maior, a liberdade, numa hora em que o presidente despacha emissários para trocar cargos por votos ou quando ele próprio vai para o corpo a corpo. A aprovação da Emenda, sob esse ângulo, foi um “mensalinho do bem”, com bombástica repercussão internacional nos direitos humanos relacionados aos negros.

Barack Obama, o primeiro presidente norte-americano negro, deve olhar a obra todos os dias para não esquecer as raízes e triplicar o empenho por conquistas sociais, em meio à luta para tirar seu país da crise.

Foi o pragmatismo que levou Winston Churchill a aceitar uma França combalida como parceira, de igual para igual, na hora de discutir o pós II Guerra Mundial. Só mais tarde, quando desceu o que ele denominou de “cortina de ferro”, seus pares britânicos colheriam os frutos em forma de um aliado forte para enfrentar o avanço soviético na Europa.

Pragmatismo não pode ser confundido com leniência. Lincoln, no filme e na vida, soube muito bem a hora de bater na mesa para impor sua vontade.

Ao Amazonas, por exemplo, faz falta alguém capaz de bater na mesa e impor o pragmatismo econômico que impõe usar as riquezas do interior do Estado. E acabar com o jogo eleitoral que privilegia Manaus e seus 1,2 milhão de votos, enquanto condena o resto dos cidadãos, fragmentados em 61 Municípios, à mais deslavada miséria.

‘Lincoln’, o filme, faz refletir. Se você ainda não viu, corra, vá ver que vale a pena.

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3 comentários

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  1. Romulo Cabral disse:

    Como disse Steven Spielberg, esse filme foi produzido para um publico que tem um minimo de historia e tenho certeza que particularmente falando, em Manaus já temos pessoas com esse entendimento e capaz de tomar exemplos dessa parte da historia.

  2. Rogerio P Rabello disse:

    Os fins justificariam os meios?
    Como ponderar o que é válido e o que é não para se atingir o que consideramos o “bem”?
    Este é um dilema ético muito bem abordado no filme, e no seu relato sobre o mesmo.
    É de fato um trabalho para se levar além da sala de cinema ou do dvd futuro em nossas casas.
    Uma aula de política com “P” maiúsculo em um momento dificil da história dos EUA.
    Muito bom.
    Reflitamos.

  3. Ricardo disse:

    Marcos,
    Uma correção: Quem se rendeu foi o Sul, não o Norte (confederados).
    Os sulistas não não queriam libertar os escravos.

    RESPOSA:
    Toda razão. Já corrigido.