A violência no Brasil

Quando, ao final da segunda  grande guerra, em 1945, os Estados Unidos cometeram os genocídios em Hiroshima e Nagasaki, morreram, segundo as estatísticas oficiais, 340 mil pessoas. Brutal, mas comparado com o que tem acontecido no Brasil, em pleno tempo de paz, parece trecho de uma canção de ninar.

Na primeira década deste século, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou uma pesquisa intitulada Síntese de Indicadores Sociais. Por ela ficamos sabendo que em 20 anos, de 1980 a 2000, cerca de 600 mil brasileiros foram assassinados e que a taxa de homicídios subiu 130%. Só na década de 90, 369.101 compatriotas foram vítimas desse crime, superando, portanto, o número de mortos registrado na tragédia japonesa.

O demógrafo Celso Simões, que foi um dos coordenadores da pesquisa, não perdoa e aborda a questão de forma direta: “Todo o problema se concentra na falta de perspectiva da população jovem de 15 a 24 anos. Eles não têm emprego e a evasão escolar é alta nesta faixa etária. Estão soltos no mundo, disponíveis para serem arregimentados pela marginalidade. O Rio de Janeiro é uma fronteira aberta”.

Foi uma voz oficial que se levantou para proclamar a evidência que tantas e tantas vezes tenho ressaltado na minha humildade provinciana: o crime e todo o seu entorno não são um problema jurídico exclusivamente jurídico e não vai ser através de leis estúpidas e draconianas que conseguiremos combatê-los.

Dou apenas um exemplo: em 1990 surgiu a lei 8072, a tal que criou, sem lhes definir o conceito, os crimes hediondos. Balaio sem tampa, no qual foram sendo depositados crimes pela simples variação de humor do legislador ou pelos interesses da mídia, esse instrumento legal era eivado de inconstitucionalidades e violências, como no caso da obrigação de o condenado a pena privativa de liberdade cumpri-la integralmente em regime fechado. Tamanha deturpação só muito tempo depois encontrou freio no Supremo Tribunal Federal, que lhe declarou a inconstitucionalidade e assim mesmo por estreita maioria de votos.

Todavia, a hedionda lei, brutalmente implacável, não impediu que, das duas décadas objeto da pesquisa, tenha sido precisamente na de 90 que se registraram dois terços dos homicídios detectados.

Vale ouvir novamente a lucidez do doutor Celso Simões: “Conseguimos diminuir a mortalidade infantil para nossos jovens começarem a morrer de maneira estúpida. Essa violência é um fenômeno que vem crescendo, principalmente na década de 90, e coincide com a própria crise econômica. Altas taxas de desemprego estão associadas a altas taxas de violência”.

Parece o óbvio e até acredito que o seja. Mas foi um tapa na cara dos adeptos desse sórdido movimento intitulado “Lei e Ordem”, que proclama, a partir de um ideário norte-americano (de onde mais?), a necessidade de leis mais rígidas como forma primacial de combater a criminalidade.

A pesquisa, entretanto, cujos resultados só nos encheram de vergonha, parece não ter servido pelo menos para despertar a consciência dos governantes para a evidência destacada pelo mesmo doutor Simões: “É preciso uma política pública objetiva de inserção dos jovens no mercado de trabalho e na educação”. E assim o digo porque, passada outra década, o índice de violência não diminuiu e os homicídios continuam a ocupar os estatísticos com taxas cada vez mais elevadas.

As escandalosas operações policiais, tão a gosto dos oportunistas e que atingiram seu auge por volta do ano de 2005, só serviram mesmo para reativar o conhecimento de espécies zoológicas ou para destacar as virtudes de bíblicos e lendários personagens. Ou, quando muito, para satisfazer os egos inflados de alguns agentes públicos.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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