Greve, intransigência e o povo servindo de massa de manobra

Há 19 categorias de servidores públicos federais em greve neste momento. Os professores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), por exemplo, completaram 98 dias de paralisação nesta quarta-feira (22/08). Incomoda muito, no meio disso, os transtornos vividos por quem não tem nada com isso e a repetição da estratégia de usar o povo como massa de manobra.

Há alternativas. Por que não dirigir a greve contra o patrão? Defendo, faz algum tempo, que motoristas e cobradores de ônibus, no lugar de atravessar os coletivos nas ruas e impedir o trânsito, abram as roletas e deixem todo mundo passar sem cobrar a passagem. O método tradicional já foi até usado em Manaus para pressionar o prefeito a aumentar o preço da passagem, em grave distorção da filosofia do movimento operário. Qual o patrão que, vendo o povo satisfeito por não precisar pagar a passagem e apoiando os grevistas, não pensará duas vezes antes da intransigência em negociar?

Há outros exemplos, no caso dos funcionários federais, de como pressionar o Governo do PT a sair dessa intransigência que corta o ponto da companheirada e insiste em oferecer o mínimo. Intransigência incrível, diga-se, em se tratando de uma administração feita por partido forjado na luta trabalhista.

Por que um menino de 18 anos, que sempre foi aplicado na escola e passou de primeira no vestibular da Ufam, precisa perder um ano inteiro de escola por conta da greve? Os professores poderiam, no lugar disso, dirigir seu potencial de fogo contra o “patrão”. Manteriam as aulas e dedicariam, didaticamente, uma parte do tempo a explicar os meandros do julgamento do mensalão – como o dinheiro público foi drenado para pagar parlamentares e garantir a sustentação do Governo Lula; quem ficou impune; quais foram os responsáveis por articular esse esquema etc. Com a popularidade em risco, o Governo Dilma desceria das tamancas e, rapidamente, trataria de oferecer melhores condições para encerrar a greve.

Os auditores fiscais da Receita Federal, no lugar de congestionar os aeroportos e desafiar a paciência e os compromissos dos passageiros, comércio e indústria, poderiam simplesmente diminuir a amostragem e entregar panfletos explicando importância e dificuldades da função. Um laissez faire, laissez passer em portos e aeroportos teria impacto na balança comercial e afetaria a economia em geral. Obrigaria o Governo a levar o movimento a sério.

Que tal se, no lugar de cruzar os braços, os auditores se declarassem em “plantão permanente”, sem sair da “repartição”, julgando todos os casos pendentes no fisco, com a determinação de, na dúvida, ficar a favor do cidadão?

Os líderes dos funcionários federais certamente estão incomodados com a impopularidade da greve, enquanto o Governo Federal assiste a tudo, impassível, esperando que a pressão popular empurre os grevistas à negociação por baixo.

Sair de greve com as mãos abanando é um filme repetido. Está na hora de mexer no roteiro.

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3 comentários

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  1. Mauricio Mendonça disse:

    Olá Marcos Santos,

    Entendo sua indignação contra a greve dos servidores federais e em relação a postura do governo. Acho muito interessante suas sugestões.

    Contudo, gostaria de chamar atenção para um ponto fundamental do seu pensamento: No caso dos servidores federais o patrão não é o governo. O governo é só o gerente do momento. O patrão é a população. Essa, infelizmente é que é diretamente prejudicada. Nesse sentido, a greve dos servidores federais é pra mobilizar a população contra o gestor do momento. E fazer o povo entender é que nós é que somos o patrão e que inclusive está na época de decidirmos sobre a contratação de alguns “gestores” (prefeitos e vereadores).

    Especificamente no caso dos professores das Universidades Federais. Há da parte de muitos cidadãos o entendimento de que a principal via para o progresso e prosperidade do país é o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia e na formação de bons profissionais. Por isso a greve não é apenas por questões salariais, mas por questões de condições de trabalho/ensino e por uma CARREIRA capaz de atrair bons profissionais para formar novos e necessários profissionais.

    Atualmente ocorre o inverso: profissionais, mestres e doutores têm se afastado das universidades federais em virtude das condições de trabalho, salário e perspectiva de carreira para atuar em outros setores profissionais e da economia.

    É isso, apenas quis deixar uma opinião complementar sobre sua visão e seu post.

    Parabéns pelo papel que você exerce diariamente na CBN Manaus. Saudações,

    Mauricio Brilhante de Mendonça
    Professor do Curso de Administração da UFAM
    Doutorando em Administração Pública e Governo – FGV-SP

  2. Carlos Lima disse:

    Prezado Sr Mendonça…
    Quando um cidadão que trabalha no distrito e vê o fantasma do desemprego chegando de mãos dadas com o patrão ignorante, ele vive falando em trabalhar pro governo, por que funcionário concursado tem estabilidade e que o salário publicado no edital é uma maravilha. Depois que conseque, que ta fazendo greve.

  3. Mauricio Mendonça disse:

    Prezado Carlos Lima,

    O Governo é um setor da economia como qualquer outro. Qualquer um que consiga uma indicação política para um cargo de confiança, uma contratação terceirizada (como os contratados da Fucapi que trabalham na Suframa) ou que passe em um concurso público pode trabalhar na Adm. Pública. A estabilidade existe, mas em um cenário de crise fiscal há a previsão constitucional da possibilidade de dispensa como em qualquer outro setor.

    Sobre o salário do edital, Sugiro pesquisar conceitos básicos de administração financeira que tratam do valor do dinheiro no tempo com os efeitos inflacionários. De forma rápida te dou o seguinte exemplo: se o cidadão fez o concurso em 2009 e o salário é o mesmo do edital. Num cenário otimista de inflação de 5% ao ano. Este salário estaria em 2012 valendo 20% menos do que a época do edital. E é necessário um reajuste que pelo menos cubra os efeitos da inflação.

    Mas gostaria de frisar um ponto que você não aborda que são as condições de trabalho e de carreira. Isso é um custo altíssimo para a sociedade brasileira e que não é facilmente compreendido por quem não analisa com cuidado a situação.

    O fato é que o Brasil deveria estar atraindo profissionais para as suas universidades. Fazendo o que fizeram Coréia do Sul, EUA, China, Japão e diversos países do oriente médio que em determinados momentos atraíram profissionais de países em crise para agilizar a formação de seus profissionais. Por exemplo: se precisamos de engenheiros, poderiamos ter uma carreira universitária que atraísse por exemplo experientes profissionais de países em crise para trabalhar aqui. Isto nem de longo ocorre no setor público, embora algumas universidades privadas de ponta no sudeste já o façam com até com certa agressividade.

    Já nas universidades públicas está ocorrendo justamente o contrário. Devido a falta de condições de trabalho como “salas de aula” mal iluminadas, com sistemas de ar condicionado precários, sem equipamentos audiovisuais, cadeiras quebradas, sem rede de internet decente e “salas de trabalho” sem equipamentos, sem material de expediente, com falta de segurança e etc. Diversos professores doutores que poderiam trabalhar até os 70 anos – idade em que a lei brasileira prevê a aposentadoria compulsória. Idade a qual hoje é possível chegar plenamente produtivo – têm se aposentado com idades próximas dos 60 anos. E passam a exercer cargos em universidades privadas ou mesmo outros cargos públicos. Grande parte da direção da UEA, por exemplo, é de professores aposentados da UFAM (que se aposentaram por falta de uma carreira atrativa, ou seja, o mercado está mais atrativo para os professores de um determinado patamar de qualificação e de carreira).

    Outro ponto que tenho que destacar é que contando-se da formatura da graduação leva-se hoje ao redor de 10 anos para formar um doutor e fazê-lo produtivo – trabalhando formando novos mestres e doutores ou envolvê-lo em pesquisa e desenvolvimento de soluções de problemas para a sociedade. Assim, um doutor é um investimento alto e de longo prazo (pois demora a ser formado). Se a universidade não consegue mantê-lo está perdendo o dinheiro que foi investido. Por isso é importante o plano de carreiras. Entende?

    Não é uma coisa simples. Certamente não é o problema mais grave do Brasil neste momento. Mas é um problema candidato a ser prioridade, pois diminui outros problemas e cria soluções para diversos problemas, inclusive para a manutenção do crescimento econômico e do progresso do país.

    Concordo com você, mas é necessário enxergar a situação de forma ampla de modo que apresento aqui algumas situações acerca do assunto.

    Atenciosamente,

    Mauricio