O direito e a greve

Os professores universitários me formularam gentil convite para visitar a sede da Associação dos Docentes, onde montaram o comando da greve deflagrada há pouco mais de vinte dias. Fui e mergulhei num oceano de recordações dos meus tempos de juventude, quando os sonhos e os ideais de um mundo mais justo nos levavam a enfrentar a prepotência e a arrogância do poder oficial, não poucas vezes disposto a fazer uso de seu braço armado. E bem armado. “Com a História na mão”, marchávamos na certeza de que o imobilismo a nada leva e é preciso sacudir a poeira da acomodação para realizar conquistas.

Como referi em texto anterior, os mestres agora nada mais buscam que o mínimo de atenção do governo para suas condições de trabalho, aí incluída a questão salarial. Não é possível levar adiante a tarefa educacional se as universidades públicas são tratadas como filho bastardo, num processo de aviltamento que vem crescendo em proporções desmedidas de uns tempos a esta data.

A coisa deita raízes, hoje, na própria estrutura do ensino. Sempre proclamei que tenho o maior orgulho de ter feito o curso primário no Grupo “Princesa Isabel”, o ginasial, no Instituto de Educação, o clássico, no Colégio Estadual, e o superior na Faculdade de Direito da então Universidade do Amazonas. Todas eram escolas públicas, onde o aprendizado mantinha padrão de excelência. Não é o que se vê hodiernamente. Basta dar uma olhada nessa estúpida política de não reprovação, que indica, no mínimo, uma preocupação meramente estatística, com absoluto desprezo pela qualidade e efetividade do ensino.

Numa direta relação de causa e efeito, o reflexo disso teria que se manifestar nos níveis superiores. Criaram-se escolas particulares em número gigantesco e as faculdades públicas foram sendo sistematicamente sucateadas, com indicadores que vão da péssima remuneração dos professores à negligência com a adoção dos recursos mais avançados que a tecnologia moderna disponibiliza. Se fosse possível tentar apertada síntese, seria de dizer que é incompreensível não esteja a política educacional entre as prioridades governamentais. E, evidentemente, não está. Já faz tempo.

Por tudo isso, o ambiente no comando de greve me envolveu com sua aura reivindicatória, chacoalhando com a minha velhice, quando vi, por exemplo, o professor Michiles, que tem o azar de ser da minha idade, manifestando um vigor juvenil para a luta. Com ele, os mais moços, firmes e seguros, me faziam a gentileza de detalhar as agruras que enfrentam e as dificuldades que o movimento tem encarado.

Um toque de tristeza, contudo, toldou minha visita. Foi saber que um ponto de resistência à greve se encontra entre alguns professores (logo de onde!) da Faculdade de Direito, berço da minha formação acadêmica e jurídica, onde aprendi que nem todo direito está na lei e que o justo há que necessariamente se sobrepor ao que é apenas estritamente legal. É o velho confronto entre direito e justiça, que leva os positivistas à errônea compreensão de que o primeiro, por ser formalmente posto, conduz à realização da segunda, esquecendo a conotação classista e privilegiadora que, por definição, está ínsita em qualquer norma jurídica.

Mantenho a esperança de que a juventude acadêmica da minha vetusta escola saiba compreender o alcance da greve que está em curso e lhe dê incondicional apoio. Espero tenha ela capacidade de se imbuir do “sentimento do mundo” e possa, com as duas mãos, artesanar caminhos que a conduzam à plena realização de suas aspirações profissionais, o que, por óbvio, é inviável no quadro que hoje se delineia.

Quero também ouvir a voz e a atitude da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Amazonas, que, por simples coerência com sua história de luta pelo Estado Democrático de Direito, não pode e não deve cometer o pecado mortal da omissão, quando está em jogo questão fundamental para o próprio povo.

Que os professores tenham êxito. Logo.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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1 comentário

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  1. PAULO JACOB SAO THIAGO disse:

    OBRIGADO VALOIS PELA SUA OPINIAO SOBRE A GREVE, VC TEM COMPETENCIA E ESTORIA PARA FALAR POIS COMO ESTA NAO DA A UFAM ESTA SE ACABANDO OU MELHOR O GOVERNO ESTA ACABANDO COM ELA. SEMPRE QUE PUDER DE A SUA OPINIAO POIS ELA E IMPORTANTE PARA TODOS NOS ABRACOS P.