Bolsa e juros

A bela voz da moça informa no rádio: “A Bolsa de Valores de São Paulo fechou em baixa de dois vírgula três por cento, aos sessenta mil e duzentos e trinta pontos”. Seu colega, do setor internacional, pega a deixa e comunica aos prezados ouvintes, também com uma voz de frequência modulada, que “nos Estados Unidos, a Bolsa Nasdak operou em alta de um e meio por cento, enquanto o índice Dow Jones se manteve estável”. Para mim, reles mortal, a coisa toda soou como se os jovens tivessem esclarecido que, no planeta Vesúvio, a missão não tripulada da NASA detectou vestígios da existência de uma mistura de plutônio e urânio.

Quem é, afora dedicados e raros especialistas, que consegue entender essa vazante e enchente das bolsas de valores? O que elas significam para o cidadão, cuja preocupação primeira, se não a única, é saber como colocar a comida na mesa? E vem o complemento, em forma de novidade: “O governo decidiu baixar os juros, reduzindo a taxa SELIC, ao mesmo tempo em que anunciou a mudança das regras de remuneração das cadernetas de poupança”.

Pronto. Estamos salvos. Agora, os Bancos não mais vão ostentar lucros semestrais que se expressam em números de doze dígitos, enquanto o dinheirinho guardado vai render o suficiente para pagar a prestação do fogão de quatro bocas, “tirado” na loja de departamentos quando o “décimo” deu uma folga em dezembro. Para realizar essa operação econômica não há de ter sido necessário saber o que significa “spread”, nem buscar compreender a relação existente entre ativo imobilizado e passivo exigível a curto prazo.

Venhamos e convenhamos, isso é tudo muito chato. Tem jeito, forma e cheiro de embromação. Até porque não pode existir teoria no mundo que logre explicar a contento por que o dinheiro que se deposita na poupança é remunerado por índices infinitamente inferiores àqueles empregados quando um infeliz comete o desatino de obter um empréstimo bancário. A bola de neve se forma e faz a felicidade das operadoras de cartões de crédito, cujo desempenho na cadeia de exploração dos incautos só consegue concorrentes quando entram em cena os próprios Bancos, as seguradoras e as companhias telefônicas. Vamos deixar de lado o governo em si mesmo, porque o caso deste é obscenamente escandaloso, como prova o indecente percentual de vinte e sete e meio por cento com que o imposto de renda confisca o produto do trabalho assalariado, sem qualquer pudor e sem resquício de vergonha.

E não se meta a besta de esquecer de declarar uma fonte de renda, por mínima que seja. Aí, a avareza oficial se transmuda em górgona implacável, transformando em pedra todas as suas possibilidades de sobrevivência. As multas e os juros rolam aos borbotões, qual cachoeira que assolou os arraiais do Senado da República, e o rebotalho do contribuinte vai chorar lágrimas de sangue por força de sua negligência. Afinal, governo é governo.

Não há motivo para desalento. Vêm aí os Jogos Olímpicos, que logo mais estarão no Rio de Janeiro, e, antes deles, a Copa do Mundo vai aliviar essas tolas tensões que o simples viver gera em quem não nasceu rico. Contemplar a riqueza alheia já parece ser meio caminho andado. Basta ver que aqui mesmo, em nosso imenso e querido Estado do Amazonas, demo-nos à pachorra de derrubar um estádio inteirinho, pronto e funcionando, para erguer outro em seu lugar. Não me perguntem a razão de tão sábio comportamento. Ignorante de carteirinha, não me é dado resolver essas coisas de alta indagação. Mas ouvi dizer que se não tivesse havido a demolição, também não teria havido licitação para fazê-la. Seria isso?

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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