Enchente preocupa, mas alarme político faz com que as trombetas soem mais alto

A enchente de 2009, recorde de todos os tempos, levou o nível do rio Negro, no porto de Manaus, a 29 metros e 77 centímetros. Hoje, logo cedo, quando deu seu informe diário às emissoras de rádio, Valderino Pereira da Silva, o homem que mede o nível do Negro há 23 anos, anunciou que o rio está a 25 centímetros da marca histórica. É grave. Muito grave. Mas ainda não chegamos lá.

Cabe uma análise fria da situação.

A prevenção é necessária. Então, como todo mundo sabe que Anamã vai ao fundo todos os anos, mesmo nas cheias médias, por que nada se fez em todo esse tempo para retirar as pessoas da várzea e transferi-las para um ponto mais alto?

Em Boca do Acre, onde esse processo já aconteceu, as pessoas insistem em permanecer na cidade velha, em detrimento do Platô do Piquiá, em terra firme. E são esses remanescentes que provocam o “estado de emergência” e depois o “estado de calamidade pública”, com a indigesta prerrogativa de dispensa de licitação para comprar da madeira a qualquer outra coisa.

Em Urucurituba, a maioria mudou para a cidade nova e a velha se tornou o vilarejo de Augusto Montenegro, mero pouso de verão, com os moradores cientes de que, vindo a enchente, todos têm que se mudar.

Em Manaus, com o Governo do Estado gastando mais de US$ 1 bilhão para retirar famílias das margens dos igarapés, a cheia não deveria causar a comoção que está causando. O prefeito Amazonino Mendes chegou a dizer que está tão preocupando que “vai se endividar todo” para acudir os flagelados.

Primeiro, para ficar bem claro, há um ato falho na manifestação do prefeito e ex-governador, que também é ex-empresário da construção civil e deve estar raciocinando como tal: quem se endivida não é ele, mas o Município. Talvez nem haja qualquer risco para sua administração porque as dívidas ficarão para seus sucessores. Mas isso todo mundo sabe, principalmente ele. É puro gosto por essa retórica parnasiana.

Soa como simpático gesto de desprendimento do governador Omar Aziz mobilizar pessoal e máquinas para acudir à emergência da enchente na capital. Mas essa é também forte denúncia de que a Prefeitura não fez sua parte na coleta de resíduos nos igarapés ou na educação dos moradores de suas margens, para evitar o acúmulo de lixo que tanto “escandalizou” o senador Eduardo Braga – como se ele não visse isso todos os anos. Além do mais, o dinheiro investido na capital bem podia acudir os verdadeiros ribeirinhos, que estão isolados no interior.

A enchente, enfim, é um prato cheio, quase derramando, para demagogias de todas as latitudes. Insisto: a Assembleia Legislativa e as Câmaras Municipal têm a obrigação de criar rubricas no orçamento obrigando à licitação antecipada de alimentos, colchões, madeira etc., tanto para a enchente quanto para a vazante. Não esqueçamos que, em 2010, ano seguinte à grande cheia, a seca também foi recorde. Logo, ano que vem, ninguém vai poder alegar ter sido pego de surpresa…

Mantenha-se atento aos demagogos de plantão. Eles não têm o menor pudor em tirar proveito do sofrimento dos flagelados pela enchente.

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3 comentários

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  1. maria jose disse:

    Isso mesmo! até parece que é a primeira vez que ocorre o fenomeno enchente e vazante;

  2. JOSÉ CZOVNY SOBRINHO disse:

    Olá Marcos Santos.
    Alguma coisa está errada no Amazonas
    Moro em Manaus há 32 anos e logo que cheguei descobri que o rio enche todos os anos e vaza também todos os anos.
    Não consigo entender porque é que somente agora a cheia virou noticia nacional.
    A cheia é um fenômeno natural que acontece há 40 milhões de anos, desde a formação da Cordilheira dos Andes e do Rio Amazonas.
    A maior parte das águas vêm do degelo dos Andes, o restante, das chuvas.
    Até há 08 anos atrás nunca houve problemas com a cheia, pois ela faz parte do ciclo da vida na Amazônia. Será um desastre ecológico quando ela não acontecer.
    Os ribeirinhos sempre souberam lidar bem com isso, seja plantando na várzea (área mais fértil do planeta), seja construindo palafitas ou casas flutuantes, aliás, as palafitas viraram cartão postal de Manaus.
    Quanto aos animais domésticos e o gado, na medida em que a águas iam subindo, eles iam transferindo para as áreas mais elevadas e para terra firme.
    Tudo sempre funcionou muito bem e nunca ninguém reclamou.
    Agora uma pergunta que não quer calar:
    Nossos ribeirinhos não se lembram mais de como construir palafitas e casas flutuantes em cima de troncos de madeira.??
    Esqueceram de que na várzea existe a época certa pra plantar e a época para colher??
    E que se plantar fora da época, a plantação vai ser atingida pela água??
    Esqueceram, também, de que na medida em que a água sobe, os animais precisam ser transferidos??
    Há alguns dias atrás estive em Anamã, em dia útil, e não vi nenhuma calamidade como a imprensa tem noticiado.
    Muito pelo contrário, vi as pessoas fazendo a maior farra em bares improvisados, mesas dentro da água, muito peixe frito e assado, muita música, forró de beiradão, muita cana sendo consumida e as pessoas num relax total aproveitando a cheia.
    Isso é calamidade pública??
    É estado de emergência??
    Acho que estão invertendo a ordem das coisas e criando calamidades onde não existem.
    Será que toda essa demagogia com a cheia não é preparativo pra decretação de estado de calamidade pública e de emergência e assim fugir da obrigatoriedade das licitações públicas e de doações em ano eleitoral??
    A cheia não é, nunca foi, e nunca será um problema, e, mesmo que fosse, jamais seria resolvido.
    Quando as águas baixarem, e elas irão baixar, virá a seca.
    E aí, como é que ficará com a seca??
    Novamente estado de emergência e de calamidade pública??
    Nosso dinheiro está sendo jogado fora, ou melhor, alguém está se dando bem com isso.

    1. joyce mara disse:

      Concordo com vc José, qdo mencionas que alguém está se dando bem com as calamidades públicas e estado de emergência… isso é no Brasil inteiro! Mas, afirmar que encenhente “não é, nunca foi e nunca será um problema”, daí é demais! Talvez vc tenha visitado o local errado. Na zona rural nossos ribeirinhos estão sofrendo sim, com as cobras, jacarés às portas de suas casas, muitos perderam seus bens etc… e construir casas sob troncos de madeiras, requer técnica, boia etc. As boias são caríssimas para eles e qdo os rios secam elas ficam danificadas, pois são feitas para a água, portanto, não generalize o sofrimento do povo. Hj o caboclo não pode arrancar árvores, é crime ambiental. Os efeitos das enchentes têm outros precedentes (lixo e resíduos jogados pelo povo nos rios e igarápés; falta de políticas públicas para isso; obras governamentais sem prever as consequencias; madeireiros e construtoras devastando as matas primitivas; hidrelétricas lá no Pará, Amazonas etc; barragens nos empreendimentos da piscicultura; empreendimentos privativos, enfim, são tantas coisas que não dá para pensar na cheia como um simples fenômeno natural.Penso que, pelo fato de estares aqui somente há 32 anos, não conheces bem a realidade amazônica.
      Construir palafitas,eles sabem sim, e a maioria faz isso… agora, só se for arranha-céus para fugir das águas.

      Pesquise o Sul antes de Itaipu, pesquise S.Paulo antes das obras no rio Tietê.