Lauria e a Sejus

Foi muito injusto o processo de fritura do doutor Carlos Lélio Lauria, na Secretaria de Justiça. Há nove anos à frente da Pasta, desenvolveu um trabalho silencioso e produtivo, do qual sobressai a ampliação física das unidades prisionais, problema que consubstancia a maior dor de cabeça de um administrador dessa área. É que, tendo este país deliberado, por portas e travessas, que a prisão é a panaceia para todos os seus males, restou impossível adequar o número de vagas às enxurradas de pessoas que diariamente são encaminhadas ao cárcere, com a clara leniência do poder judiciário. Cometeu erro, não importa qual, seja preso, que a sociedade está a exigir uma resposta pronta e eficaz, em nome da sua própria segurança!

Quanto equívoco! Esse endeusamento da prisão é postura que não resiste nem mesmo a uma perfunctória análise histórico-dialética. Quando, em meados do século XVIII, o cárcere foi erigido à categoria de pena autônoma, o fato representou um avanço quantitativo e qualitativo. Explico-me: até então era absoluto o predomínio de uma legislação medieval, em que as penas corporais eram aplicadas corriqueira e intensamente. Não se há de esquecer, também, que a tortura era de uso consagrado e cotidiano, até como forma de produção de prova.. Vai daí que o homicídio de condenados (inclusive na fogueira) era tão comum quanto o respirar, da mesma sorte como os que escapavam ao suplício extremo podiam ter seus corpos dilacerados, por via da amputação de membros, entre outras coisas.

Ora, quer-me parecer que a mais simplória das criaturas há de concordar que, entre morrer e/ou ficar estropiado e ser recolhido à prisão, qualquer ser humano haverá de optar pela segunda hipótese. Diz-se, por isso mesmo, que foi a fase de humanização do direito penal, com origem indiscutível nos ensinamentos dos enciclopedistas revolucionários, por via da obra, de todos conhecida, do Marquês de Beccaria, sucintamente intitulada “Dos Delitos e das Penas”.

Ocorre que as instituições são dinâmicas e isso de que falei aconteceu há quase… trezentos anos. De lá a esta data, a pena de prisão passou pelo inelutável processo a que estão subordinados os organismos vivos e, hoje, induvidosamente entrou em período de esclerose múltipla, sem que se tenha pelo menos dado início à aplicação de algum medicamento que vise ao restabelecimento, ainda que parcial, de sua vitalidade. Consequência: o sistema prisional faliu e esse não é quadro de constatação apenas no regionalismo brasileiro por isso que, ao contrário, está amplamente difundido por todo o planeta, sendo lamentavelmente corriqueiros os casos de superpopulação carcerária, com gente se amontoando em ergástulos de proporções inadequadas, que privam as pessoas das mais elementares condições de higiene e de dignidade. De sobrevivência, mesmo.

No Amazonas não poderia ser diferente e pretender o desconhecimento dessa realidade é postura hipócrita, tão ineficiente quanto o tapar o sol com peneira. Temos, pois, que, levar à execração um homem público, de escorreito passado, porque alguns prisioneiros transgrediram normas comportamentais, é postura que traduz clamorosa injustiça.

Dou a palavra a meu filho, doutor Luís Carlos Valois, juiz das execuções criminais: “Muitas dúvidas, muitas informações erradas e desconexas nesse episódio dos presos tomando cerveja na UPP. Pessoas demonstrando todo o seu ódio contra outras sem saber nem o motivo pelo qual aquelas outras estão presas, só porque são presas… O cidadão perdeu apenas a liberdade e não estamos mais na Idade Média. O imaginário coletivo das prisões medievais, dos calabouços, como únicas prisões possíveis, deve mudar, para o bem da própria sociedade”.

Pessoalmente, tributo minhas homenagens ao doutor Lélio Lauria e até o cumprimento por se ter visto livre desse fardo de quase impossível transporte. Estará melhor no Ministério Público e ali há de continuar servindo a seu povo com a mesma dignidade com que se houve à frente Secretaria.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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1 comentário

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  1. Graci disse:

    Creio q não adianta criar mais vagas nas prisões, não é o q vai resolver. A tendência é aumentar mais a criminalidade. As crianças estão sendo jogadas nas ruas por mães solteiras (frutos de sexo irresponsável), a maioria são mães adolescentes, as Maternidades estão saturadas. E o q será do futuro dessas crianças. As escolas passam mais tempo em reforma do que em aula, não há creche suficiente na cidade, como não há escola pública de tempo integral suficiente. O tempo integral dessas crianças é na rua, por não ter uma estrutura familiar, e a falta de comida na mesa vão p rua. A rua é a escola maior, aprendem tudo o que “não presta”. Essas crianças crescem e por falta de oportunidades, muitas se tornam adultas voltadas para o mal. Pois como dizia a minha avó: “a mente vazia é a oficina do diabo”. Penso que o melhor seria trabalhar com a prevenção, pois “não adianta chorar o leite derramado”. É um assunto que merece URGENCIA. Penso q a miséria produz a violência. E qualquer um de nós pode ser vitima dessa violência que nos assola a cada momento.
    É melhor criar mais escolas do que cadeias. É a minha opinião.
    Graci