O chopp e a espuma

Meu compadre Simas Vieira é seresteiro dos mais conhecidos e apreciados nesta cidade de Manaus. Com a belíssima voz que tem, seria até criminoso se ele não nos brindasse com aquelas canções dos tempos de Chico Alves e Orlando Silva, tão a gosto da lua e dos namorados.

É, também, como não poderia deixar de ser em tal modalidade, um emérito apreciador da cerveja e do seu similar, o chopp, que ele exige do garçom seja tirado “na pressão”.

Para os não iniciados, isso implica em que a dourada bebida será servida com um respeitável “colarinho”, aquela parte superior que exibe uma atraente e alva espuma. A conclusão não escaparia ao Conselheiro Acácio: mais pressão, mais espuma, tudo a gosto do freguês.

Por isso, foi ao Simas que fiz questão de comunicar em primeira mão a histórica postura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que estabeleceu, para além de qualquer dúvida, que “a espuma é parte integrante do chopp”.

É que um freguês aparelhou querela judicial, reclamando que o preço cobrado (não barato, por sinal) haveria de dizer respeito somente ao chopp e não à espuma, que, em seu plebeu entendimento, era supérflua e mera forma de o botequim obter mais lucro. Vale dizer, se ainda não fui entendido: o homem queria só chopp e nada de espuma, pois só gastara seu rico dinheiro com o primeiro e não com a segunda.

O Judiciário, como sói acontecer (atenção, revisor: é “sói” mesmo) se debruçou demoradamente sobre a intrincada questão. Tratados foram revistos, dias e noites viram os homens da lei debruçados sobre eles, em busca de um caminho seguro que lhes permitisse solucionar a dúvida atroz. Para um setor que obrou o milagre de ver constitucionalidade na lei da ficha limpa, foram necessários votos quilométricos para estabelecer a conclusão de que falei.

Com ela, superados estão todos os problemas nacionais. Com a sábia decisão, passa a ter razão induvidosa o Lulinha paz e amor, que nunca viu qualquer ameaça aos nossos interesses na crise financeira que devasta bolsas e economias.

Espuma é chopp e chopp é espuma.

Não me venham mais os economistas com conversas de Keynes, Adam Smith ou mesmo Marx. Abstenham-se os juristas de invocar o Digesto e as Institutas, ou de falar em Teixeira de Freitas, Bevilácqua ou Ruy.

“Cesse tudo quanto a antiga musa canta”, que, sendo chopp e espuma uma só e indissociável unidade, nada mais há que perquirir ou inventar neste mundo tão velho quanto a estupidez e a inutilidade.

O compadre não me disse se, judiciária e juridicamente estabelecida a nova e incontroversa verdade, mudarão seus hábitos ou seus sentimentos em relação à simpática beberagem.

Apenas me olhou e, entre uma canção e outra, não pôde refrear a pergunta que parece dizer tudo: “Compadre, vocês, do direito, não têm mais o que fazer?”. Vencido, aliei-me ao vencedor e, abandonando meu uísque, entornei uma tulipa de chopp. Com espuma, é claro.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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