Sessenta e Nove

Completei sessenta e nove anos de idade e um amigo me enviou, pela internet, a clássica figura dos dois corpos humanos sobrepostos e em posição invertida. Reavivar lembranças talvez tenha sido a intenção do bom pândego, por certo sabedor das proezas que injustamente me atribuem, focadas nos longínquos e saudosos tempos áureos da juventude. Que fazer? É sina dos velhos repassar as eras idas e vividas, sempre tentando apagar o de que não se pode sentir muito orgulho e, da mesma forma, mas em sentido contrário, buscando dar cores vivas àqueles momentos que deixaram marca indelével, pelo prazer, pela satisfação, pela alegria.

O difícil mesmo é ter que continuar convivendo com determinadas formas de agressão que um conceito deturpado de progresso nos impõe a cada dia. Ligar o rádio e ouvir uma dupla sertaneja é uma delas que, sobranceira, se vai alargando, numa competição ferrenha com outras formas de manifestação cultural não menos importantes. Aí está, para apoiar o autor destas mal traçadas, o sucesso imponderável desse grande artista, conhecido, se não estou em erro, como Teló, às voltas com o problema que se lhe depara de como pegar alguém. Na verdade, já nos pegou desatentos e indefesos.

Se não é isso, contentemo-nos com o Big Brother Brasil. Ali, na tela onipresente da Globo, Machado de Assis encontraria inspiração para outro romance e Dante, vendo seu inferno recriado, seria forçado a reescrever a Divina Comédia para poder dizer o que verdadeiramente sofrem os condenados ao fogo eterno. E é quase certo que Da Vinci, em vendo o soberbo espetáculo, não teria coragem de fazer a Gioconda sorrir enigmaticamente. Daria a moça estrondosas gargalhadas e a humanidade estaria privada de uma obra prima.

Cá na terrinha propriamente dita, a Eletrobrás Amazonas Energia, ou seja lá o nome que tenha o monstrengo, ainda não conseguiu descobrir como é que se produz eletricidade. E lá vamos nós, vela e lanterna na mão, em busca de um produto que a incompetência e a incúria insistem em nos negar. Nada de desespero. Pela perene lei das compensações, sem energia, não existe acesso ao rádio ou a televisão e livres ficamos dos dois flagelos antes referidos, o que há de servir de atenuante para o crime de lesapovo que a empresa “energética” comete diariamente.

De bom mesmo, na velhice, restam-me a família e os amigos. Destes, se não os conto aos cento e dez como Camilo Castelo Branco, tenho o carinho, a lealdade e a compreensão, lenitivos suficientes para afastar as agruras que só o tempo sabe criar e cultivar. Na família, o refúgio da companheira de décadas, o abraço fraterno das irmãs e do irmão e o desfrute do orgulho que me dão Luís Carlos, Lucíola, Alfredo e Lúcia, filhos queridos que untam com dedicação as feridas que deixou a ausência do professor Valois e de dona Lucíola. Velhos e inesquecíveis pais.

Restam os netos. Donos de tudo, soberanos e conscientes de sua soberania, Bruna, Luís Carlos, Fábio Junior, Lauro e Luciana dão as cartas e decidem a seu bel prazer quando devem sorrir os mais antigos e até onde pode ir a alegria dos que, por terem visto já tanta miséria, não mais se empolgam com as promessas vãs e as convenções hipócritas.

E daí? Daí que só resta esquecer o sessenta e nove em si mesmo, o da idade e o simbólico, controlar a gota e esperar que caia o preço do Levitra e do Viagra.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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1 comentário

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  1. Wallace disse:

    Caro, Dr. Valois.

    Gostaria de lhe apresentar como sugestão para o seu próximo artigo, o seguinte tema:

    A TRANSFERÊNCIA DAS MATRIZES DAS INDUSTRIAS DE MANAUS PARA OUTROS ESTADOS.

    No ultima reunião do CAS da Suframa (veja abaixo) a empresa LG ELECT. DA AMAZONIA, foi incorporada e teve a matriz que era em Manaus TRANSFERIDA para São Paulo.

    Esta é uma operação que muitas MULTINACIONAIS estão fazendo para:

    1 – Obter créditos de impostos, já que em Manaus as indústrias são incentivadas e não podem se utilizar dos créditos;

    Com esta opção de transferência da matriz para outros estados, Manaus perde:

    1 – Empregos, pois com a transferência vários setores das áreas administrativa, financeira, advocacia, contábil, logística, comercio exterior, deixam de existir na unidade fabril em Manaus;

    2 – Cargos de Diretoria, Gerencia, Supervisores e outros cargos que fazem parte do item 1 acima mencionado;

    3 – Deixa de gerar impostos federais no estado do Amazonas;

    4 – Utilizando-se como base uma média de 200 indústrias que já transferiram suas matrizes e os setores acima mencionado temos uma perda anual de mais de 1 bilhão de reais de salários gerados na cidade de Manaus.

    5 – Muitos advogados em Manaus representam os escritorios de advogacia das industrias que estão instalados em outros estados, tornando os advogados em Manaus como um office boy de luxo.

    Outra situação que nos deixa muito preocupados e sob alerta constante é que mais de 3000 bacharéis são disponibilizados no mercado de Manaus anualmente, e com as transferências dos setores conforme já mencionado no item 1 acima, nós Manauaras não temos que ir embora de Manaus a procura de novas alternativas de empregos em outros estados, e o pior é que nenhum conselho de classe, sindicatos, políticos não estão tomando nenhuma atitude para esta operação que esta esvaziando os empregos em Manaus.

    Lembre-se da situação que aconteceu nos anos 80 e 90, quando os câmbios deixaram de ser fechados em Manaus pelas industrias e foram transferidos para São Paulo, como resultados tivemos o fechamento de grandes bancos (muitos deles multinacionais) que estavam instalados em Manaus, os bancários perderam empregos e os industriários que trabalhavam no setor de cambio também perderam seus empregos.

    Abaixo comunicado da ultima reunião do CAS.

    CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA SUFRAMA – CAS
    PAUTA DA 255ª REUNIÃO ORDINÁRIA
    DATA: 28 de fevereiro de 2012
    HORA: 14h00
    N.º 014/12 – Comunicamos a Vossas Senhorias, em cumprimento ao que determina o Art. 60 da Resolução nº 202, de 17 de maio de 2006, que esta Superintendência anuiu a 48ª Alteração Contratual proposta pela empresa LG ELECTRONICS DA AMAZÔNIA LTDA, com inscrição SUFRAMA 20.0606.01-8 e CNPJ nº 00.801.450/0001-83, na qual ocorre a reorganização societária que resultará na sua incorporação e subsequente transformação em filial da sócia LG ELECTRONICS DE SÃO PAULO LTDA, CNPJ nº 01.166.372/0001-55, conforme Portaria nº 410, de 28/12/2011 com publicação no D.O.U. nº 2 em 03/01/2012, fundamentado no inciso I do Art. 51, da Resolução nº 202/2006, nos termos da Nota Técnica nº 441/2011-SPR/CGAPI/COPIN.

    Atenciosamente,

    Wallace Monteiro
    Manaus – Am.