Educação: uma velha senhora

A história nos últimos cem anos mostra a extraordinária evolução da humanidade. Em qualquer setor houve avanços incomparáveis. Nas duas décadas passadas, principalmente, invenções nascem e se tornam obsoletas a velocidades inimagináveis.

O telescópio espacial Hubble, por exemplo, mesmo depois de ter acumulado mais conhecimento astronômico para a humanidade do que tudo que se sabia até o seu lançamento há pouco mais de duas décadas, caducou e foi aposentado em 2004, aos 14 anos. Nunca mais se ouviu falar dele.

Inúmeros outros inventos de igual magnitude tiveram o mesmo destino. O novo virou rotina a ponto de turvar até mesmo o maior e melhor avanço: o aumento de mais de 50% na nossa expectativa de vida, produto da evolução do conhecimento.

Tudo isto vem acontecendo antes mesmo que se complete o fantástico ciclo da convergência das tecnologias, o que terminará por definir um novo conceito de convivência para a humanidade.

Apesar disto há uma velha senhora que resiste bravamente a todos esses avanços. Trata-se da senhora Educação. A última vez que ela passou por uma renovação completa foi para atender, no início do século passado, as demandas daquilo que se definiu chamar de a segunda revolução industrial ocorrida a partir de 1860.

A duração do tempo de aula, currículo escolar, desenho do espaço físico, quantidade de alunos numa classe e a disposição do espaço físico, tudo vem daquela época. Cinquenta minutos foi o tempo que os especialistas daquele momento definiram como ideal para manter o interesse e a atenção das crianças às aulas.

A partir dessas definições, a sala de aula se estruturou com um quadro negro na parede frontal; aproximadamente 30 cadeiras em fila indiana e uma professora (naquela altura como única fonte do conhecimento disponível), a ensinar as matérias e ditar regras de comportamento, o certo e o errado, quase sempre de forma autoritária. Uma fábrica de destruir a criatividade. Como se nota nada muito diferente da nossa escola atualmente.

E é nesse encontro da evolução com a estagnação, que se insere a criança nascida no início deste século. É impossível imaginar que essa criança venha a se interessar pelas mesmas coisas e da mesma forma que eram ensinadas aos seus antepassados de um século atrás. Seus estímulos são outros, sua dinâmica de vida é outra, suas brincadeiras, aspirações e desejos são outros. O seu mundo é outro. Trata-se de um novo ser humano, que a escola não se preparou para receber.

Essa criança tem hoje aproximadamente dez anos e, para o bem ou para o mal, traz consigo, pelo menos sete mil horas de televisão. É frequentadora das redes sociais; acessa sites de busca onde tira suas dúvidas, mata suas curiosidades e se calça com novas habilidades. É praticante dos jogos eletrônicos “on line” e vive em intensa interatividade virtual com os amigos.  Todas essas atividades são estímulos que treinam seu cérebro para a dinâmica do novo e das respostas rápidas, o que faz dela um ser eminentemente digital.

Esse é o cara que estuda naquela sala de aula do século passado, onde encontra um professor com uma dinâmica totalmente “analógica” e um entusiasmo de quem, para sobreviver, trabalha três turnos, sem tempo para viver o mundo digital que, em muitos casos, desconhece.

Do choque dessas realidades, surge de um lado, o aluno desinteressado que detesta a escola envelhecida e, do outro, um professor sobrecarregado e que já perdeu os sonhos de se realizar na sua profissão. O resultado final desse encontro é o desempenho medíocre da escola.

Esta é a realidade da escola não apenas no Brasil. O mundo não sabe o que e como ensinar seus jovens e crianças. Evidentemente que alguns países operam melhor esse modelo arcaico e conseguem melhores resultados. Tais evidências ficam claras em estudo realizado pelos americanos que chegou a duas estarrecedoras conclusões:

– a primeira diz que das 1530 páginas do currículo do ensino médio daquele país, os alunos guardam apenas 6,7% do que é ensinado. 93,3% são jogados fora. Sem comentários!

– a segunda diz que as crianças perdem o interesse e a concentração em qualquer apresentação superior a dez minutos.

Diante disto, o que falar? A escola envelheceu no mundo todo. Está caduca e nem se toca. Assumiu a condição de velha e nem se apercebeu que até esse conceito mudou ao longo do tempo. Velho não é mais uma questão de idade. Velho é quem não se renova e não se prepara para enfrentar as mudanças. E, no caso da educação, isto é muito grave, pois, ao não se renovar pratica dinâmicas de um mundo vencido.

Dos Estados Unidos, de onde veio o exemplo do velho, vem, também, a configuração do novo. Trata-se do americano Salman Khan, que dá aula pela internet e já é considerado o melhor professor do mundo.

Khan está fazendo uma verdadeira revolução na forma de ensinar. Suas aulas são inovadoras, têm duração máxima de dez minutos e vem prendendo a atenção de crianças, jovens e adultos do mundo todo. Já são mais de 200 milhões e acessos. Um fenômeno!  www.khanacademy.org.

Felizmente esse fenômeno está chegando à escola pública do país. A Fundação Lemann, entidade privada, sem fins lucrativos, que faz um extraordinário trabalho em favor da renovação da educação brasileira, mandou traduzir as aulas para o português e ofereceu ao governo. Espera-se que haja interesse e se transforme numa ferramenta de mudança para os professores das nossas escolas. Vale a pena ver em  www.fundacaolemann.org.br/khanportugues

Ao atual modelo não cabem mais remendos. É necessário construir um que contemple uma arquitetura compatível com o mundo atual. O professor Khan está indicando um caminho.

Francisco Cruz

Francisco Cruz

* Francisco R. Cruz é empresário e trabalhou muitos anos na área de tecnologia e, entre 2001 e 20...

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