‘Se você me ama, pega um filho meu’

A menina vai crescendo, ganhando os contornos da juventude. Abandonou o mundo das bonecas faz tempo, embora mal tenha completado 14 anos.

Aproveita o tempo, que tem de sobra entre a volta da escola e a chegada dos pais, que trabalham fora, para conhecer a vizinhança.

Aprecia o modo como as colegas se produzem para as festas. Inveja as que caem nas graças do dono do pedaço – aquele que todo dia aparece no bairro com um carro diferente, está sempre rodeado de amigos e torna a arma, que faz questão de portar na cintura, um símbolo de força e de poder.

Vê essas coisas todos os dias.

Quando, de repente, no caminho da escola, o carro para ao seu lado e ela vê que ele está ao volante, não pensa duas vezes em aceitar a carona. Nem estranha quando o vizinho, todo delicado, pede para deixá-la uma esquina antes, evitando que os colegas “pensem bobagem dela”.

cDaí para o primeiro beijo, os amassos mais pesados e o sexo é um passo. A menina se tornou mulher. Todos ao redor percebem. Os pais, sem força para resistir aos presentes e salamaleques do namorado poderoso, cedem mais e mais.

A mãe, porém, mais precavida, pede à filha pra não “embuchar”. Faz mais: vai à farmácia da esquina e manda aplicar um anticoncepcional de efeito trimestral. Ele percebe que a menina está “protegida”.

Ela é levada por ele às festas. Começa a ver e ser vista. Rolam ciúmes, brigas, encontros, desencontros. O envolvimento, mesmo aos trancos e barrancos, vai ficando mais sério.

Um belo dia, ele vira para ela e diz:

“Você gosta de mim? Então prova.”

E ela:

“Como?”

“Se você gosta de mim, pega um filho meu”.

A menina, que virou mulher, mesmo aos 14 anos, lembra os conselhos das amigas: “Deixa de ser besta. Pega um filho dele que ele fica contigo”. Dribla a mãe e em breve, contra tudo e contra todos, ostenta enorme barriga.

São nove meses de muito sofrimento. Ele se afasta. Não a leva mais a festas, a pretexto de preservar o bebê. Os amigos se afastam. Ela se sente rejeitada, mas, pensa, “quando o neném nascer tudo se ajeita”.

Desfecho 1:

O bebê nasce. Ele compra um pequeno enxoval. Aparece de vez em quando. Dá um dinheiro aqui, outro ali, cada vez mais esporadicamente. E, finalmente, some de vez. Ela só tem nova notícia quando uma amiga vem contar que está namorando outra menina. Virgem. De 14 anos.

Desfecho 2:

O bebê nasce. Ele compra um pequeno enxoval. Aparece de vez em quando. Dá um dinheiro aqui, outro ali, cada vez mais esporadicamente. Um belo dia, ela ouve no rádio a notícia de um assalto, perseguição policial, troca de tiros… Ele morreu.

É mais uma novela da vida. Nada de ficção. É assim que os “galerosos”, traficantes, assaltantes, matadores, criminosos de todos os tipos, estão enchendo a periferia de crianças sem pais.

Aí estão os ingredientes de um dos maiores nós que a sociedade precisa desatar no combate à violência. Se conseguir – e terá que encontrar uma fórmula de envolver as famílias no processo –, fará bem mais que as 900 e tantas viaturas do Ronda no Bairro.

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1 comentário

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  1. Chagas disse:

    Olá, Marcos Santos!

    Não basta o governador Omar Azziz, fazer este grande esforço neste programa da importância e grandeza que é “O Ronda nos Bairros”, com investimentos em armas, carros, motos, tecnologia, melhores salários à tropa, sem qualificá-la.

    Hoje, à noite, deparei-me com carro na contra mão, ao lado do Canaã, em frente à UFAM, no final do murro (Vale do Amanhecer) encontrei uma viatura da polícia nova estacionada e comunique o fato, simplesmente à autoridade disse-me que era normal e de responsabilidade do guarda de transito.

    Mas a grande sacada e saída para o grave problema da segurança pública, não está tão longe, falta apenas treinamentos específicos, principalmente no SERTAXI, cujo mesmo não funciona, simplesmente por ineficácia de qualificação e comprometimento pelas partes envolvidas.

    Muitas das vezes, as rádios táxis acionam o SERTAXI (gigante) e este não dá retorno às mesmas, a qual são mais de quarenta espalhadas em Manaus, interligadas (QAP) com aproximadamente 3.400 (três mil e quatrocentos ) carros circulando por toda a cidade.

    Se os clientes e a população ligar para Rádio Táxi, as ocorrências, já que o 190 (todos nós sabemos que não funciona a contento), esta comunicaria ao Gigante e este colocaria na rede (para as rádios táxis) e estas transmitissem o QTC (comunicado) aos macanudos (taxistas), em fração de minuto o cerco estaria sendo feito.

    Na semana passa, (sexta-feira), o caso do P.10 no CSU, o fato fora assistido e presenciado por nós, que imediatamente comunicamos à central e esta ao SINTAXE (gigante), resultado em questão de minuto o bandido estava preso, com várias viaturas e SAMU no local, lembram?!

    Governador Omar Aziz e Secretário de Segurança Paulo Vital, não há mistério, o SERTAXI já existe, o que falta é qualificar as partes envolvidas, sejam: Operadores do SERTAXI (gigante), operadores das rádios táxis, taxistas e população, custo zero ao Estado, cujo mesmo terá um exército de taxistas em todos os pontos da cidade contribuindo com nossa segurança com aproximadamente 3.400 profissionais do volante e os delinqüentes e infratores encurralados.

    Coloco-me a disposição ao debate, a respeito do assunto com todos os comandados, vamos ser racionais e inteligentes!