Turismo de aventura: desbravando o Monte Roraima

Por Márcia Baraúna Pinheiro

Beleza, imensidão, superação, aventura, emoção, plenitude, temor. São alguns termos que exprimem o que vivi nos seis dias de expedição ao Monte Roraima. Essa aventura nas alturas foi denominada por nós de Expedição Guachero.

Um arco-íris no começo da subida, numa saudação carinhosa da natureza. Foto: Dalva Fajardo

A porta de entrada da viagem foi aberta pela Roraima Adventures (www.roraima-brasil.com.br), empresa capitaneada pelo habilidoso Magno (seu nome já diz tudo!). Com uma equipe afinada, ética, competente, profissional, responsável e amorosa, cada cliente se sente hóspede e passa a ser logo amigo.

 

O desafio

A aventura se deu na companhia de outros aventureiros – 14 ao todo – que resolveram, como nós, iniciar o ano no alto, nas alturas!

Uma turma companheira, alegre, amiga, entusiasta.

Vale ressaltar que esta modalidade de trekking, conhecida por “caminhada de longo curso”, é dirigida a pessoas dispostas a conviver com imprevisto e baixo nível de conforto. Ou seja, o trilheiro tem pouco a opinar, pois são as circunstâncias climáticas e as características da trilha que ditam, com soberania, o que vai acontecer a cada dia! Resta, então, a adesão irrestrita às vicissitudes que podem chegar regadas à chuva, sol ou vento, pois sombra quase nunca tem.

 

O Monte

As exigências feitas para esta trilha são apenas de boa saúde e bom condicionamento físico; sem estes componentes o apuro é certo, mas pode se tornar grave e até fatal. Alerto que o roteiro roraimense tem grau médio de dificuldade, mas eu acrescentaria médio-alto não para assustar, mas simplesmente para prevenir! E não é por outro motivo que o aventureiro assina um Termo de Conhecimento de Riscos!

A esta altura, o que é mesmo o Monte Roraima? Vamos lá! É um dos lugares montanhosos mais antigos do planeta, estima-se que tenha se erguido há mais de 2 bilhões de anos. Localizado ao Sul da Venezuela (com acesso escalável) na chamada Serra de Pacaraima, ao Norte do Brasil e a Oeste da Guiana, constitui a chamada tríplice fronteira.

A visão do monte e da distância. Aventura é para quem está preparado. Foto: Dalva Fajardo

É considerado a décima maior formação rochosa brasileira, medindo 2.739,30 metros de altitude, com 116 mil hectares, 31Km de extensão e uma área de 90 km entre um pico e outro. O interessante é que seu topo é plano, parece uma mesa de banquete! O trajeto da base ao cume leva, usualmente, de três a quatro dias e é adornado de rios, riachos, cachoeiras, flores e pedras. Muitas e belas pedras. A temperatura na trilha na base é em torno de 20ºC e no trajeto até o topo varia de 10ºC a 03ºC. A umidade é de 80%.

A água da chuva forma belezas assim, com mil cores pintando painel

 

Como chegar

O acesso brasileiro se dá por Boa Vista (atentem para o nome!), pela BR 174, até Santa Elena de Uairén, num percurso de 300 quilômetros em estrada boa e asfaltada, com a duração de duas horas e meia. Aí se faz o registro de entrada na Venezuela (nas mãos precisa ter passaporte e cartão de vacina internacional contra febre amarela).

Depois da liberação, num veículo 4×4 e por razões óbvias, pega-se mais 68 km até a entrada da vicinal que conduz à Comunidade Indígena de Paraitepuy, localizada no Parque Nacional Gran Sabana. Nesta ocasião, antes do início da caminhada, pode-se contratar o serviço de um índio da aldeia para o carregamento da mochila a fim de reduzir o inevitável desgaste físico.

Os índios, nativos, andam eretos, mesmo nas subidas mais íngremes, carregando as mochilas que para os não-iniciados pesam toneladas

 

1º dia

O trajeto até o primeiro acampamento, no Rio Tek, foi de 15 quilômetros e dura cerca de 5 horas. Provavelmente, o trilheiro será acolhido por “pihuns” (prefiro chamar “pimils”!!!). É uma espécie de mosquito miúdo e incômodo! Sabendo disso, quando os anfitriões vieram ao meu encontro, alertei com veemência: “Tenho sangue com validade vencida e impróprio para consumo”. Comigo deu certo, mas infelizmente nem todos tiveram a mesma sorte e ficaram com pernas, braços e pescoço completamente empelotados!

Constatamos que o repelente Exposis parece ser o mais adequado para afugentar os tais mosquitos! Na parte da tarde sobrou tempo para fotos, banho no rio e entrosamento, além da alimentação que foi sempre deliciosa e de primeira categoria!

 

2º dia

Começou com café da manha, às vezes servido na barraca pelo Everaldo, insuperável em animação e prestimosidade.

Por volta das 8h o acampamento já estava desfeito e todos rumaram em direção à base da montanha. O percurso de apenas oito quilômetros passa a ter a duração de 4 a 5 horas! O nível de dificuldade aumenta em razão de ser 70% subida. O esforço exigido é dobrado! No caminho há um rio maravilhoso!!! Nosso grupo não hesitou em largar as mochilas e deliciar-se nas águas límpidas e geladas! Este acampamento, em razão da chuva, estava com muita lama e a estada não foi das melhores!

 

3º dia

É marcado pela ida ao topo. A trilha, de aproximadamente quatro quilômetros e meio, tem a duração de pelo menos cinco horas. No nosso caso foi bem mais longa, pois a subida se deu em meio a chuva gelada, vento forte e muito frio! Deparamo-nos com trechos tão íngremes que chegavam a exalar perigo; a sensação de insucesso nos rondou.

Subida, em meio às pedras e o leito do riacho, torna as coisas difíceis

Em contrapartida degustamos um cenário espetacular: rochas colossais margeavam nossa subida, em meio a orquídeas e principalmente bromélias de várias espécies; pássaros nos brindavam com cantos espetaculares e os riachos e as pequenas cachoeiras apaziguavam o cansaço extenuante com sua sonoridade peculiar!

Depois de sete horas de luta e esforço, chegamos ao cume! Que festa! Antes do jantar celebramos a conquista com uma maravilhosa pinga envelhecida temperada com quatro laranjas e servida numa caneca plástica alaranjada que circulava, cadenciadamente, de bico em bico, a fim de nos aquecer do frio e preparar a merecida noite de repouso. Na escuridão do abrigo brindamos e reforçamos a nossa amizade.

 

4º dia

Quando o sol despontou no horizonte, por volta das cinco da manhã, alguns optaram por abandonar as barracas e rumaram para a parte de cima do abrigo, a fim de contemplar o espetáculo matinal. Perambulando de uma rocha pra outra não nos contínhamos em apreciar tanta beleza. No retorno, o café já estava servido acompanhado de um maravilhoso cuscuz, servido com salsicha e ovo mexido. Hummmmm que bom!

Neste quarto dia de expedição a tropa foi dividida em dois grupos. Os mais habilitados fisicamente seguiram para a visita ao Vale dos Cristais, El Fosso e Ponto Triplo, num percurso de aproximadamente 20 quilômetros de caminhada. Os demais fizeram uma excursão não tão desgastante fisicamente, mas coberta de esplendor.

Visitamos o ponto mais alto da montanha, denominado Maverick, uma cadeia de montanhas chamada Catedral, um pequeno vale de cristais, uma cachoeira majestosa e as jacuzzis naturais, com direito a banho e almoço na pérgula! Eita, como foi bommmmmmm!

Voltamos para o acampamento por volta das 16h, depois de percorrer (não, perfazer fica melhor, porque correr mesmo, não tem condições) o trajeto de 10 quilômetros, em meio a muita diversão, pequenos tombos, risadas, alegria, lanche festivo, poses para fotos e urros de satisfação e êxtase!

Voltamos ao acampamento revigorados e felizes, mas sem querer pensar ainda no dia seguinte… Foi a nossa segunda noite no topo! O céu se vestiu de esplendor e veio nos visitar. Do interno da caverna que nos hospedava contemplamos a escuridão da noite alumiada pela luz das estrelas e brilho da lua que estava mais que cheia, quase transbordante!

Uma das plantas carnívoras encontradas na região

 

5º e 6º dias

Começa o retorno. Fomos despertados sob uma chuva torrencial e fizemos o desjejum preocupados como se daria a descida… O acampamento foi desfeito no horário previsto e, como a chuva abrandou, as mochilas de ataque foram colocadas nas costas e o caminho de volta foi retomado. O mesmo trajeto da ida é feito em dois dias, com menos intervalos

Eu e meus dois companheiros de viagem tivemos outra sorte! Pudemos descer no helicóptero contratado por uma expedição de japoneses que se alojaria na nossa caverna! Foi a primeira vez que entrei num transporte aéreo do gênero. Além de pagar bem barato, porque se tratava quase de uma carona, pude desfrutar do sublime cenário das savanas venezuelanas.

Carícia de Deus? Entendo que sim e por isso Lhe sou muito grata! Nossa descida se deu em duas etapas que duraram, complessivamente, meia hora; enquanto que nossos companheiros fizeram o mesmo trajeto da ida em dois dias, com menos intervalo.

 

7º dia

Tivemos a felicidade de rever todo o grupo em Boa Vista. Que alegria poder dar o abraço de despedida e agradecer pelo convívio maravilhoso regado a altitude. Esta vida é mesmo assim, prepara-nos surpresas maravilhosas e cheias de encanto. Fica o aprendizado que a convivência e o contato com este santuário ecológico proporcionou!

 

* Meu agradecimento cheio de carinho ao Magno e toda a equipe.

** Meu reconhecimento e admiração ao Léo! Líder nato. Ser humano especial, meigo, sensível, atencioso e responsável.

 *** Minha gratidão ao Everaldo, carinhosamente chamado Borracha. Ele nasceu para servir! Alegre, faceiro, encara a vida com simplicidade e descontração. Ficou a lição, amigo!

 **** Um obrigada de coração aos queridos Teodoro, Raul, Antonio Marcelo e toda a turma. Embora recatados e de poucas palavras, vocês me ensinaram muito. Obrigada pela dedicação e serviço prestado sempre com distinção.

 ***** Aos trilheiros: Andre, Pedro, Roseli, Dalva, Luiz Henrique, Castanho, Carlos, Luiz Ferraz e à família América, cujos nomes não gravei, o meu imenso reconhecimento e gratidão pelos dias passados nas alturas. Eu quero permanecer por lá!

 ****** Ao Edmar e Marcelo uma gratidão de altitude ou alto nível se preferirem. Vocês foram como irmãos!

 ******* A todos gostaria de dizer “até breve”, “até à próxima”!!!!

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8 comentários

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  1. Márcia Baraúna disse:

    Marcos Santos a reportagem ficou super boa, como sempre!!
    Quero convidá-lo a subir o Roraima da próxima vez. Vamos nessa? Abração. Marcia

  2. alfredo lopes disse:

    Márcia, é assustadoramente pródiga em graça, beleza e espanto essa natureza que Deus nos deu. Aqui, na biqueira de casa, onde se pode saciar a sede do Belo e do Absoluto que nos desassossega a alma. Parabéns e obrigado por essas coisas que vc irradia!!!

  3. Tanair Maria disse:

    Márcia, parabéns por participar de mais um desafio esportivo emocionante e cada vez mais radical, você está ficando especialista em superação. E, aproveito para registrar um especial agradecimento e reconhecimento ao trabalho jornalístico desempenhado por Marcos Santos, sempre dedicado, inteligente e muito cativante. Sou sua fã de carteirinha, adoro sua voz como locutor e gosto muito de assistir o programa de rádio transmitido pela TV_RT, mesmo em caráter experimental está excelente a transmissão e a recepção doméstica. Agora, a programação musical e esportiva está “show de bola” à parte. Valeu!

    Tanair Maria
    Repórter/Jornalista da Revista ÍCONE Esportivo

  4. YACY DERZI disse:

    Marcinha, admiro esse teu lado aventureiro.Parabéns pela bravura e inteligência, percepção em encarar as diversidades da vida. Aproveite, amiga!Bjs, amiga.
    Por tudo isso e muito mais sou sua fã!!!Ah,obrigada por oportunizar a visão panorâmica do local. Lindo!!!

  5. Fumico Oizumi disse:

    Achei fantástico, o ser humano precisa se desprender de tudo para viver melhor deixar o seu egoísmo e viver só com amor no coração. O amor transforma o mundo e isso é possível.

  6. Maria do Céu Guimarães disse:

    Márcia, fico feliz em te assistir realizando teus desejos e alcançando sucesso nas aventuras!!! Parabéns!!!Um forte abraço!!!

  7. Maria Leonor Rodrigues disse:

    Oi Márcia,

    Que aventura, hein?! Adorei o seu relato, as fotos e sobretudo a energia e entusiasmo que emanam das suas palavras. Deu até vontade de ir, mas o meu preparo físico ultimamente não está lá essas coisas … acho melhor esperar um pouco e me preparar.

    PARABÉNS GUERREIRA!

    GRANDE ABRAÇO,

    Leonor.

  8. Marilena Matiuzzi disse:

    Esta é a Márcia, aquela que está sempre em busca de realizações boas, inusitadas, divertidas, cheias de vida e de amor, e, melhor, não deixa de compartilhar tudo o que tem, o que é, e o que faz com os amigos.
    Sua generosidade é impar.
    Obrigada!!