José Calebe x Daniela Mercury e a emoção da homenagem a Zé Caiá

José Calebe, de apenas 10 anos, emocionou o Bumbódromo no primeiro dia do Festival de Parintins deste ano, com a música “Amazonas”, de Chico da Silva. Foi o contraponto do Caprichoso a uma esfuziante Daniela Mercury, simpática, alegre, entrosada e vitoriosa no quesito surpresa – que não vale pontos, mas conta muito junto à torcida.

Já vi muito cantor fugir do final dessa música, um canto de ninar concebido em notas altas, uma armadilha do compositor que costuma derrubar quem começa a música num tom alto. Calebe, uma grande surpresa, levantou a torcida, sem desafinar ou perder o ritmo: “Amazonasssss, Amazonasssss/ Tu és pra mim/ Tu és pra mim/ Amoooorrr!!!”

David Assayag também foi muito bem recebido pela torcida do Caprichoso, que se comportou maravilhosamente na arquibancada. E esse Sebastião Jr., que não conhecia, deu conta do recado pelo lado do Garantido, sutilmente “escorado” por Daniela, Márcia Siqueira e o próprio Israel Paulaim, como sempre muito seguro.

Uma pena que, diante da premência do tempo, a direção do Caprichoso tenha optado por não evoluir totalmente a última alegoria, do Juarez Lima, onde as árvores deveriam renascer. A avaliação é que o recado já estava dado e o software que controla o tempo da apresentação mostrava o risco de o bumbá perder pontos nesse item. Ficaram 15 minutos só para evolução, brincando com a torcida. O Garantido estourou um minuto e alguns segundos, o que costuma ser decisivo na contagem final.

“Os pescadores”


Escrevo entre lágrimas, grato a David e companhia, pelo resgate de “Os pescadores”, letra minha e música de Chico da Silva, homenagem ao meu querido pai, Zé Caiá, hoje com 92 anos.

Foi lindo ouvir a música no Bumbódromo, emoldurando uma alegoria bem singela, folclórica, concorrendo a “Figura típica regional”. Poucos lembrarão da música, mas já vi muita gente repetir a letra. Ei-la:

“O rio manso a murmurar/ numa rima de sol e luar/ lá vai Santarém, Porrotó/ Luiz Gonzaga, Pamim/ Zé Caiá/ Heróis do rio e do igapó/ histórias do meu bumbá./ Calafeta a canoa/ olha o arreio/ da vela não vai descuidar/ trabalhar dia e noite é bonito/ o pirralho precisa estudar/ Chegou São João vem brincar/ joga a rede que peixe vai dar./ É junho, é festa, é boi bumbá/ Veste a fantasia de novo/ O azul e branco é do povo/ a poronga não pode apagar.”

Santarém, meu tio, era pescador, tocador de banjo (no boi, antes, tinha isso) e fabricante da Dona Aurora.

Porrotó, presente em minhas memórias como companheiro de pesca de meu pai, irmão de Lindolfo Monteverde, fundador do Garantido, era figura indefectível no Garantido. Essa foi uma das raras vezes em que alguém do bumbá contrário foi homenageado pelo outro. A toada ajudou a dar visibilidade para ele, bem conhecido da imprensa manauara.

Luiz Gonzaga, também meu tio, é o nosso galardão. Está entre os fundadores do Caprichoso. Durante décadas levava os melhores peixes para os mais abastados da cidade e, em junho, pedia em troca apenas o veludo negro para cobrir o boi e o pano para a roupa da Marujada de Guerra. Levou o boi, desse jeito, entre 1937 e 1967.

Pamim era outro companheiro de meu pai, pescador, que em minhas memórias representa a grandiosidade. Tinha grandes redes, barco e quando meu pai saía com ele era para as pescarias maiores.

Zé Caiá é meu pai. Órfão de pai aos 6 anos e de mãe aos 11. Criou 5 filhos. Colocou todos na faculdade só com o dinheiro da pesca e da estiva. Um verdadeiro herói amazônico – para mim o maior de todos.

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Comentários

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  1. Alfredo Leão disse:

    Parabéns, você escreve muito bem!!!
    Um abraço..

  2. Severino Cavalcante disse:

    Caro amigo Marcos Santos, parabens pela bela música e pelo belo artigo, que me fez lembrar dos belos rios e lagos onde já fui pescar, e também recordar do grande sacrifício que meu Pai teve na criação e educação dos seus dez filhos, trabalhando como barbeiro.
    Um grande abraço.

  3. arthur cezar ferreira e silva disse:

    Realmente Marcos Santos., foi emocionante ouvir essa toada na voz do David, nao apenas pela sua interpretacao bela, mas pelo significado que a musica representa em tempo de toadas que deixam a desejar no contexto historico e sociologico. Vi meu pai chorar mais uma vez com essa musica OS PESCADORES e com SAGA DE UM CANOEIRO tambem interpretada., ou melhor RESGATADA., em termos de Festival a musica pra ser sucesso nao precisa nem ser massificada antes, basta ser cantada uma vez no Bumbodromo que ja fica conhecida. Precisamos urgentemente REGISTRAR MUITO BEM REGISTRADO ESSES MOMENTOS, POIS FAZ PARTE DE UMA MEMORIA QUE NAO PODE SE PERDER. Valeu Marcos Santos, seu belo texto nos poporciona uma bela viagem., Fica na PAZ!

  4. Achei um vídeo do momento em que tocou essa toada no bumbódromo! Foi mt bonita mesmo. Como é um compacto, aparece pouco da música, mas só pras pessoas saberem qual é a toada!
    http://www.youtube.com/watch?v=QdRDTghh3F4
    A partir dos 5:00.

    abraços!

  5. arthur cezar ferreira e silva disse:

    Valeu pela indicacao do video., Marcos Santos e Chico da Silva foram felizes e profeticos com a frase a VESTE A FANTASIA DE NOVO. O AZUL E BRANCO E DO POVO. A PORONGA NAO PODE APAGAR., pois ela continua acesa, tanto que ressurgiu no Caprichoso e NUNCA VAI APAGAR.

  6. Rubelmar de Azevedo Filho disse:

    Prezado Marcos Santos,
    É muito bonito e enocionante o que você escreveu sobre seus antepassados.
    A história de um povo começa numa célula chamada família, e você discorreu maravilhosamente sobre a importância de se ter família, de se ter um bom passado com ética, moral e trabalho. Isto tudo se resume a: “Virtude social e riqueza espiritual”.
    Quem não tem histórias pra contar, não viveu e quem não tem passado histórico, dificilmente terá um futuro promissor.
    Abraços Meu Amigo.

  7. Aguinaldo Rodrigues de Souza disse:

    Maravilha, Marcos. é o clássico “diga com quem andas e direi quem tu és”. Não sou parintinense, mas me identifico muito com as coisas de lá, pelos muitos amigos que fiz daquelas paragens, como o Neuton, o Nogueira, a Rosária, o Evandro, o Jorge Sá, o Nenel, o Inaldo e Tony, o Glauber e tantos outros, entre os quais você, com quem já tive oportunidade de ser parceiro de trabalho e merecer, até, ajuda pessoal. Não bastasse, ainda somos iguais no bom gosto em azul-e-branco.
    Parabéns pela sensibilidade e percepção em nos trazer a lembrança esse fato importante da história do boi de Parintins, e que, desgraçadamente, passa batido na cobertura jornalística.
    O Caprichoso é mesmo danado em emocionar!
    Abraço e sucesso na caminhada.

  8. Wendel Pires disse:

    Baixei esta música pela web pra matar um pouco da saudade da terrinha e achei a letra linda.
    Fui procurar no Google se acharia o compositor e pra minha surpresa descobri que é do grande jornalista Marcos Santos.
    Descobri neste site também a história dos ‘Heróis do rio e do igapó’ citados na letra.
    Parabéns pela bela letra. Abração.
    Wendel Pires – Morando no Rio de Janeiro.