Na cobertura do acidente, por favor, preservem a dignidade dos mortos

Octávio Ribeiro, o “Pena Branca”, um dos maiores repórteres-investigativos que o Brasil já teve, adorava um foca, aqueles repórteres recém-saídos das universidades. Tinha uma pregação preparada para eles: “Malandro, se sair para buscar matéria dorme lá, mas não volta sem ela”; “Fotógrafo que chega com foto de cadáver eu mando pra rua”; “Publicar foto de cadáver é a maior covardia que se pode praticar contra alguém, ele não pode mais se defender, malandro!”. Lembrei do Pena por causa do acidente da tarde desta quinta-feira (13/05), quando seis funcionários do Governo do Estado morreram carbonizados, na queda do avião em que seguiam para Maués. Tomara que preservem a dignidade dos mortos.

Pena Branca, para quem não lembra, inspirou o seriado “Plantão de Polícia”, da TV Globo, estrelado por Hugo Carvana. Quando a revista Playboy o encarregou de entrevistar Tostão, atacante da Seleção Brasileira de 1970, ao lado de Péle e Jairzinho, ele montou acampamento em frente à casa do já ex-jogador. Tostão passou e ele foi atrás, tentando falar-lhe: “Não vou falar”, disse o jogador, “pode desistir”.

Dia seguinte e mais outro, e outro, e muitos outros, o craque passava e o repórter estava lá, sentado, sem dizer nada, fumando seus displicentes cigarrinhos (que, aliás, lhe renderam o câncer que o levou): “O que você faz aí? Não lhe disse que não quero falar com a imprensa?”, indagou. “Ouvi, mas se voltar de mãos vazias eles não me pagam e eu não sustento minha criancinhas. Fico aqui até você decidir falar”, respondeu.

Uns 20 dias depois – ou terão sido dois meses? –, Tostão concedeu uma das mais comoventes e reveladoras entrevistas. Foi quando todos souberam que ele tivera um descolamento de retina, após cabecear uma bola, por pouco não ficando cego. Desgostoso do atendimento que recebeu, decidiu parar com o futebol e apagá-lo de sua vida – ele que também é médico. Daí a aversão em tocar no assunto. Ainda mais com a imprensa. E o quanto a  persistência do repórter conseguiu dobrá-lo.

Conto a história, para mostrar quem era “esse cara que ficava dando lições”.

A assessoria do Corpo de Bombeiros divulgou foto do acidente com o avião, em que um corpo é carregado, totalmente enegrecido, para dentro do saco do Instituto Médico Legal (IML). Imagine como ficarão as famílias dos mortos ao ver a cena, imaginando todo o sofrimento do ente-querido, totalmente antagônica à imagem cheia de vida que gostariam de preservar.

Há fotos igualmente impactantes disponíveis, certamente, nas redações, tomadas na cena da queda.

O Amazonas em Tempo, cuja equipe da TV Em Tempo estava no Zumbi dos Palmares, fazendo outra reportagem, ainda pegou o incêndio que se seguiu à queda. A imagem que publicamos no site da CBN Manaus (www.cbnmanaus.com.br), cedida pelo jornal, com o local da queda ainda dominado pelas chamas do aparelho, é chocante.

Certamente os demais jornais também têm material farto e de qualidade, capaz de substituir a morbidez de um cadáver carbonizado. Não precisa apelar para garantir a força da cobertura fotográfica dessa fatalidade.

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Comentários

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  1. Rejane Ribeiro disse:

    Olá, Marcos, é um prazer conhecer você, um jornalista, que depois de 25 anos de falecimento do repórter policial octávio Ribeiro, conhecido como Pena Branca, ainda escreve sobre ele, com admiração.
    gostaria muito de poder entrar em contato contigo, pois sou a filha deste grande repórter.
    Hoje, resolvi entrar na internet e pesquisar tudo sobre meu pai, pois quero escrever algo sobre ele. Não sou jornalista, mas sou formada em Letras. E gostaria de saber se você quer colaborar com este meu sonho?
    Aguardo a sua resposta.
    Rejane Ribeiro

    RESPOSTA:
    Oi, Rejane. Ao citar seu pai o faço com orgulho por ter privado da companhia e das lições dele. Nunca conheci alguém tão interessado em ajudar jornalistas iniciantes na profissão como ele. Quando o Pena falava conosco, não jogava palavras ao vento e sim fincava marcos técnicos e, principalmente, éticos na nossa vida profissional.
    Não posso deixar de lembrar dele quando vejo uma foto de cadáver publicada (ele demitia ou, no mínimo, dava um esporro no fotógrafo que trouxesse esse tipo de material) ou um repórter inventando desculpas por não ter cumprido uma pauta, ao fim do dia.
    Seu pai, Rejane, ficou semanas na porta da casa do Tostão até conseguir a primeira e célebre entrevista sobre as razões de o grande craque ter abandonado o futebol.
    Um cara capaz de dialogar no morro e no asfalto, com grande desenvoltura, como o Pena conseguia, faz muita falta.
    Seu pai era um cara e tanto. Eu e muitos outros que convivemos com ele em Manaus temos orgulho de tê-lo tido como “(meu) camarada”, para usar a expressão que ele repetia.
    Conte comigo para o que for necessário.

    Abraços,

    Marcos Santos